Ѽ Capítulo 3: Veículo de duas rodas  

Posted by: Venenosa

- Você não gosta dos seus pais mesmo! - Milla olhou para a moto, deslumbrada. Não por causa da moto em si, mas por toda essa situação surreal em que estava. Quando poderia imaginar que estaria ali, em plena segunda-feira, saindo mais cedo do colégio mais caro da cidade com um garoto perfeito que tinha uma moto?

- Não é isso... Eu só não gosto de como eles agem, nem como me tratam. - Sorriu de lado - É aí que me divirto deixando-os loucos. - Riu alto.

- Uau... Mas, se não gostam de motos, por que te deram uma?

- Eles não me deram, andei fazendo uns serviços aí e juntei a grana.

Mel imaginou que tipo de "serviços aí" seriam esses que juntariam dinheiro o suficiente para comprar uma moto daquelas. Claro que não era uma moto caríssima, mas também não era do tipo que qualquer garoto de 17 anos poderia comprar apenas com o trabalho de aparar a grama do vizinho em troca de moedas. Já estava com o capacete na mão e pronta para subir no veículo quando ouviram um estrondo vindo de um beco perto de onde a moto estava estacionada. Alex, olhou para os lados, desconfiado.

- Fique aqui. - Disse em tom sério e foi em direção ao beco para checar o que estava originando aquele barulho.

Foi andando passo a passo, cautelosamente, procurando a fonte do estardalhaço. Quando espiou por entre o espaço apertado que havia entre os muros do colégio e o seu vizinho, Alex percebeu que não era "a" fonte, e sim, "as" fontes do barulho.

Lá estavam Vicky e Kadu, entre beijos ardentes e ininterruptos. Kadu espremia a namorada contra a parede e alisava a sua coxa enquanto jogava seus cabelos castanhos e encaracolados no ar, pelo fato de estar se movimentando freneticamente para beijá-la. Vicky estava de olhos fechados e apertava o pescoço e os cabelos do namorado, fato este, que foi o motivo de não ter visto uma lata de lixo vazia que ali estava. Derrubaram a lata no chão, originando o barulho metálico que Alex ouvira.

Vicky abaixou-se, começou a beijar o pescoço de Kadu, desatou o nó da gravata que ele estava usando, beijou sua clavícula, sussurrou coisas em seu ouvido, continuou beijando seu pescoço. Foi aí que Kadu abriu os olhos e se deparou com Alex, observando-os no início do beco. Pigarreou alto. A loira assustou-se, arregalou os olhos em uma velocidade espantosa, viu Alex ali, a poucos metros de distância. Logo a sensação de surpresa foi substituída pela raiva.

Milla não ouviu nada, ficou preocupada e resolveu seguir Alex. Enfiou o rosto na entrada do beco, viu o casal ainda abraçado, porém imóvel, encostado na parede. Nada foi dito. Os quatro se entreolharam. Vicky não sabia se estava com mais raiva por Alex ter interrompido a privacidade com o namorado ou por ele estar acompanhado pela garota do vidro. Seus olhos se transformaram em labaredas de fogo, que chamuscavam em direção ao rebelde. Alex ainda estava surpreso, sempre soube que a "elilte" não estava tão afastada assim do lixo que tanto esnobava, mas precisava mesmo derrubar suas latas? Será que não haveria um local um pouquinho mais "luxuoso" para que o casalzinho ali se entrelaçasse? Alex não sabia o motivo, mas ver Vicky ali, abraçada com aquele cara, estava deixando seus nervos à flor da pele. Milla não percebeu, mas abriu a boca suavemente enquanto intercalava o olhar entre Vicky, descabelada e com o batom borrado, e Kadu, com a gravata amassada e a camisa branca cheia de marcas vermelhas.

Kadu foi o primeiro a se recuperar do choque. É claro que não esperava que uma suburbana e um playboy metido a rebelde atrapalhasse seus momentos íntimos com a sua garota. Ainda mais naquele local, onde ele jurava que os dois nunca seriam flagrados, já que a "nobreza" não era muito fã de locais apertados, úmidos e ocupado por latas da coleta de lixo. Ajeitou a gravata, colocou-se em posição ereta e jogou, para os que estavam em sua frente, o mesmo olhar sereno, passivo e descontraído que sua face já estava tão acostumada. Era o mesmo olhar de um bichinho fofo e puro que estava tentando convencer as pessoas a adotá-lo. Alex foi o primeiro a falar:

- Olha se não é a majestade se misturando com os ratos! - Sorriu torto - Ou pode ser apenas uma comemoração em família. - Sorriu amarelo. Vicky aceitou a provocação.

- O que você está fazendo aqui, rebeldezinho hipócrita? Tenho certeza que está nos criticando, mas veio aqui para fazer a mesma coisa... com ela. - Apontou o dedo fino e branco para Camilla. Alex explodiu por dentro.

- Não sou como você e acho que ela também não é. Não precisamos disso aqui - girou o dedo ao redor do beco - para dar uma pitada de "excentricidade" a um namoro sem graça.

- Se eu te conhecesse mais, afirmaria que está com ciúmes. - A garota sorriu, mas as chamas de ódio em seus olhos continuaram fitando Alex.

- Então que bom que não conhece. - Retrucou ele, duro e frio. - Por que eu teria ciúmes de você? Ainda mais com ele! - Acenou a cabeça para Kadu, que estava com a mesma feição de quem vislumbra um quadro de paisagem sem graça em um museu qualquer. Kadu nem se mexeu, ao contrário, ignorou como se ele nem estivesse ali. Continuou a prestar atenção na corujinha da floresta imaginária que se passava na sua cabeça.

- O que quer dizer com isso, insolente? - Vicky perdera o controle - O Kadu é muito melhor que você, entendeu? MUITO melhor! Pelo menos ele não precisa fingir que não gosta do dinheiro que tem para fazer pose de "rebelde maneiro".

- Sim, tenho certeza que ele adora o dinheiro que tem. Aliás, quantos neurônios ele já conseguiu comprar esse ano? - Alex sorriu torto de novo, Vicky estremeceu. - Acho que faltou uma cota, hein?

- Como se atreve!?! - Vicky urrou de raiva. - Você não sabe com quem está mexendo... - Ameaçou a garota, sem ter o que dizer.

- Ah! Com quem? - Desafiou ele. - Com uma patty que só se importa com quantos sapatos Calvin Klein vai comprar amanhã? - Soltou uma risada alta e debochada.

- Estúpido! Primeiro que Calvin Klein não vende sapatos, vende roupas. Segundo que, para sua sorte, também não vende fucinheira! - Vicky estava histérica. Virou-se para o namorado - Kadu, me defenda!

Kadu estava absorto na floresta imaginária em sua cabeça. Neste momento, o cervo tinha acabado de saudar a raposinha. De repente, uma cobra surgiu por entre as folhagens e sibilou: "Kadu, me defenda! Kadu, faça alguma coisa!". Kadu encarou Vicky, depois encarou Alex. Era claramente mais alto que o outro, poderia dar-lhe uma surra facilmente ou, pelo menos, era o que ele pensava. "Mas por que faria isso?" perguntou a si mesmo. Não iria se meter em problemas por causa dos ataques de histeria de Vicky. Ela se assemelhava mais a um galo de briga que a uma garota, sempre arrumava alguém para implicar por motivos bobos. Tudo bem, o menino tinha sido bem imprudente ao atrapalhar assim o momento quente que estava tendo com a namorada, mas isso não era motivo para criar uma inimizade. "O pai dele pode ser influente." A voz de seu pai soou em sua cabeça. Kadu hesitou. Vicky ainda olhava para ele esperando que fizesse algo. Rafa não estava ali, geralmente, ele, com seus músculos muito mais definidos, ajudava Kadu a impor respeito sobre novatos. Não, definitivamente, não iria entrar em conflitos sozinho por causa de Vicky. Não ligava a mínima se ela tinha problemas com o tal menino mal-vestido. A raposinha começou a cantar. Não tinha nada a ver com a namorada, nem com as brigas dela, muito menos com os sentimentos que ela tinha pelas outras pessoas. "Dane-se" pensou ele, mas disse:

- Vivi, amor da minha vida, coloque a mão na consciência. Ele é só mais um garoto que não sabe como usar uma gravata, olha só a camisa do indivíduo. - Foi a primeira vez que Vicky reparou na camiseta preta com a estampa de uma banda desconhecida que o garoto estava usando. Era tão difícil tirar os olhos do rosto dele e ver o resto do corpo...

- O que tem as minhas roupas? - Perguntou com tom bastante ríspido e bravo. Foi a primeira vez que Alex direcionou a palavra a Kadu.

- Nada, mano. Relaxa! Pense também, vale a pena brigar por uma menininha? Ela se diverte discutindo com os outros e gastando horrores na Sack's com as amigas, dude!

- O que você quer dizer com "menininha"? - Vitória nunca se sentira tão nervosa na vida.

"Opa!" Kadu pensou consigo mesmo. Precisava de uma saída de emergência já. O esquilo se juntou à canção da raposinha. Será que ninguém entendia que ele estava pouco se lixando com a rixa dos dois? Só queria sair dali e voltar para o colégio onde o intervalo já deveria estar acabando. Não era que Kadu se importava, tampouco, com as aulas, mas teria treino de basquete no próximo horário e seria capaz de matar Vicky se ela o fizesse chegar atrasado.

- Meu celular está tocando, com licença!

- O quê? Não ouvi nada! - Gritou Vitória para o namorado, que já se afastava do beco e ia em direção à entrada principal.

- Está no modo silencioso! Senti só o vibra-call! - Gritou ele para a namorada, quando já estava a uma distância segura da mesma. Vislumbrou o olhar letal e irritadíssimo que ela exibia para ele. - Te amo! - Gritou, antes de sumir pelo portão.

~Ѽ~

- Você está atrasado!

Kadu olhou para os lados, não viu mais ninguém.

- O resto do time ainda nem chegou, Rafa! - Pegou uma das bolas de basquete que estava no chão do ginásio e arremessou para o amigo.

- Kadu, você é o capitão, eu sou o vice-capitão. Se quisermos levar o troféu do inter-colegial para casa esse ano, teremos que nos esforçar mais.

- Eu sei, cara... Desculpa. - Rafa arremessou a bola de volta para ele.

- Por que se atrasou?

- Como por quê? Por que mais seria? Vitória, claro.

- Ah! As coisas esquentaram hoje então! - Rafa deu um sorrisinho maligno para o amigo.

- Antes fosse... Estávamos lá, no mesmo lugar de sempre, quando chegou aquele tal de Alex, o novato. Então começaram a brigar e eu caí fora, você sabe como não me importo com as frescuras da Vicky. - Kadu viu o rosto de Rafa ficar fechado. - Qual o problema?

- Quase bati naquele cara hoje. Se não fosse a idiota do vidro de hoje mais cedo, o teria espancado no meio do corredor mesmo. - Kadu riu. Atirou a bola em direção à cesta, marcou o ponto.

- O que ele fez?

- Ia atacar a Mandy quando ela virou-lhe as costas.

- Desde quando você se importa com a Mandy? - Kadu estranhou.

- Ela é a melhor amiga da Jacky que, por sua vez, é minha namorada. - Rafa respondeu, como se fosse uma coisa óbvia.

- Nós dois sabemos o quanto você "ama" a Jaqueline. - Kadu sorriu de lado, mostrando seus dentes branquíssimos. - É quase o mesmo tanto quanto eu amo a Vicky.

- Não gosto de caras que encostam a mão pra fazer mal em mulher. - Kadu olhou para o melhor amigo com uma cara de quem não tinha engolido o argumento. Rafa arremessou a bola, que bateu aro e entrou na cesta. - Tá bom, eu quis impor respeito. Se ele encostar na Mel... Juro que acabo com a raça dele.

- Esquece logo a Mel, mano. Depois do que houve nas férias, ela não vai falar com você tão cedo.

Rafa sentou-se no chão da quadra. Colocou as mãos entre os cabelos louros, sentia-se muito mal. Era um rapaz bonito e forte, mas Mel era seu ponto fraco. Seu namoro com Jacky não passava de pura fachada, não gostava dela nem um pouco. Sua situação era diferente da de Kadu. O amigo não amava a namorada, mas também não sentia repulsa por ela. Sem contar que Kadu se divertia com Vicky, sentía-se atraído, pelo menos, por motivos carnais. Já Rafa... odiava Jacky. Não suportava os assuntos dela, sentia eterno repúdio pela garota e não podia se livrar dela. Jacky o tinha em suas mãos e não iria "libertá-lo" tão cedo.

Rafa era apaixonado por Mel desde o primeiro dia que a viu no ano passado. Já tentara de todas as formas, não conseguia tirá-la da cabeça. Não conseguia. Era obcecado por ela, chegava a ser doentio, chegava a ser assustador. Por ela, era capaz de qualquer coisa, era capaz de matar.

- Não dá.

- Você acha que se eu falar com a Vicky... Sei lá... Pedir para ela conversar com a Mel... Quem sabe ela te perdoa... - Kadu tentou ajudar.

- Não, cara. Deixa pra lá. - Rafa levantou-se e recolheu a bola de basquete novamente. - Vamos nos focar no jogo.

E os dois continuaram a revezar os lances.

~Ѽ~

- Nossa, odeio aquela garota! - Alex esbravejava enquanto tomava um gole da sua bebida.

Milla colocou as mãos sobre as bochechas, não aguentava mais as reclamações de Alex sobre Vicky. No caminho da escola até a lanchonete onde resolveram ir para comer algo, não falou outra coisa senão de Vicky. Milla também não gostava da loura, não depois do que ela havia dito na frente de todos sobre o incidente do vidro, mas Alex já estava exagerando. Já tinha usado todos os xingamentos que conhecia e em todas as combinações possíveis para falar mal da garota. Ignorou todas as vezes que Milla tentou mudar o assunto e sua raiva estava começando a assustá-la.

Não sabia o que de tão ruim Vicky teria feito para que ele a odiasse tanto. Até onde Camilla sabia, ela não tinha feito nada além de chamá-la de estúpida na frente de todos e depois dar uns amassos no namorado na hora do intervalo. Claro, ela também era uma patty do tipo nojentinha e antipática, mas isso também não era motivo para tanto. Olhou para Alex, ainda praguejando. Ele era tão bonito, parecia que tinha sido esculpido por Deuses. Seus cabelos muito pretos e um pouco grandes ficavam ainda mais bonitos do jeito bagunçado que estavam. Não era do tipo bagunçado ruim, eram bagunçados na medida certa. Parecia até que ele havia, cuidadosamente, deslocado alguns fios de lugar para dar aquele visual tão lindo. Os olhos verdes se destacavam na pele branca e pareciam ainda mais penetrantes com a blusa preta que ele estava usando. E, por incrível que pareça, ele ficava ainda mais fofo quando estava nervoso...

- Não pense isso! - A consciência de Milla esbravejou em sua cabeça.

Milla sabia que não deveria pensar assim, mas não conseguia evitar... Sabia muito bem que as chances de que ele retribuísse qualquer sentimento que ela poderia vir a ter por ele eram minúsculas. Ela não via motivos por que alguém se apaixonaria por ela. Não era feia, mas também não era bonita. Não tinha nenhuma habilidade especial e, provavelmente, também não tinha bons assuntos, já que não conseguia fazê-lo parar de falar na outra. Não era rica e, muito menos, tinha uma vida interessante e aventureira para compartilhar. Sentiu-se pequenininha. A única coisa que sabia fazer era tirar fotos aleatórias de coisas que achava que dariam um efeito legal. Sentiu vontade de sumir. Alex percebeu.

- Olha, me desculpa, tá legal? - Pela primeira vez no dia, a feição dura e fria desapareceu do seu rosto. Seus olhos brilharam em um tom quente. - É que eu sou muito explosivo, fico irritado com muita facilidade e você sabe o que eu penso sobre a elite.

- Não, tudo bem... - Milla sorriu. - Você tem razão de se irritar.

- Mas estou te deixando entediada. - Alex estava se esforçando para ser legal. Não era que ele era frio demais para ter sentimentos, é só que havia passado por experiências muito ruins em sua vida que lhe deixaram fechado para o mundo. Como se houvesse uma parede que o separasse do restante das pessoas e elas teriam que escalar grandes alturas para que pudessem conhecê-lo de verdade, para que pudessem enxergar seus sentimentos. O problema é que nem todos estavam dispostos a esse esforço, por isso acostumou-se a ficar sozinho. Queria mudar isso.

- E então? O que gosta de fazer?

- Eu adoro fotografia, é meu passatempo preferido.

- Você já fez algum curso?

- Não. Geralmente, são caros. Eu aprendo muita coisa lendo livros e o resto... bem, é só se deixar levar pela beleza das coisas que existem. O mundo é fantástico.

- Eu não penso assim.

- Por que não? - A garota franziu o cenho.

- Você é muito ingênua. O mundo é cruel e injusto. As pessoas são cheias de interesse, cheias de hipocrisia. Elas não se importam com os outros, pisam em cima de qualquer criança passando fome na rua somente para chegar em casa e ver o capítulo inédito da novela das oito. Então, quando um caso terrível passa no jornal, elas dizem que é um absurdo e exigem que sejam tomadas providências. Milhares de crianças morrem todos os dias e ninguém nem se importa, mas quando uma delas é de classe alta e o crime vira caso de televisão, é motivo para que todos se digam sensibilizados e indignados. Muitos usam isso só para aparecer. - Alex sorriu. - No caso do meu pai, ele usa isso pra conseguir votos.

- Você está errado, senhor. - Foi a vez dela sorrir. - Existe muita coisa bonita no mundo, a gente é que ignora. Quantas vezes você já parou pra observar o que existe de bonito em volta de você? Quantas vezes já admirou paisagens no trajeto da sua casa ao colégio?

- Várias vezes. - Ele jogou os ombros para trás. - Só vejo lixo e poluição. Não tem nada de bonito nisso.

Milla levantou-se e estendeu uma das mãos.

- É porque você não olhou para o lado certo. - Abriu ainda mais o sorriso. Alex olhou para a mão estendida da garota, hesitou. Era muito desconfiado, mas estava querendo ver onde aquilo iria chegar. Deveria dar uma chance à garota, ela parecia diferente dos demais. Pegou na sua mão e a deixou guiá-lo.

~Ѽ~

Mellanie olhou para os lados, suspirou fundo. Sentiu o reconforto que se espalhava no seu peito, fechou os olhos e sorriu. Era como se estivesse em casa, era como se não sofresse mais, era como se estivesse completa. Contemplou as paredes coloridas da sala em que estava, pegou um dos pincéis que estava em uma das gavetas, encarou-o, era como se nunca tivesse sido ferida. Olhou para uma das telas em branco que estava encostada em um cavalete cor mármore. Muitos veriam somente branco, ela via muito mais.

A verdade é que todos eles eram profundamente feridos e incompletos, sentiam uma dor letal, um vazio imenso, só que não demonstravam isso. Suas maneiras de agir era somente um jeito de esconder o quanto aqueles jovens eram infelizes. O luxo e a futilidade não lhes trazia a felicidade que procuravam, mas, de alguma forma, ajudava a esconder o buraco que levavam em si. Porém, ali, Mellanie não precisava mais fingir, não precisava mais esconder as fraquezas que tinha, que corroíam cada parte do seu ser. Não precisava fingir que estava tudo bem, porque a arte nunca revelaria mentiras. A arte é a Deusa da verdade, nenhum sentimento poderia ludibriá-la.

Mellanie lembrou-se do último dia das férias de verão, mas não queria se lembrar. As lembranças mais recentes só cavariam ainda mais profundo o buraco que carregava em si. Abriu a sua mochila, retirou uma latinha pequena, de metal. Pegou um dos comprimidos brancos que estava lá dentro, hesitou. Olhou para os lados novamente, não viu ninguém. Procurou por algo, "água" pensou. Precisava de água para engolir, mas talvez... agora não fosse o momento. Talvez, estivesse ocupada demais agora. "Agora não", disse para si mesma. Guardou a pílula na caixinha, escutou um barulho.

- O que é isso? - Uma voz fina e fria entrou pela sala de artes plásticas.

- O que você quer, Mandy? - Mell, recompondo-se, retrucou com a maior frieza e força que conseguiu. Não tinha dito nada à Vitória, não diria nada à Amanda e muito menos a deixaria perceber suas fraquezas. Ela era como uma fera selvagem que sentia o cheiro da presa mais fraca.

Tarde demais. Mandy percebeu os olhos molhados dela, viu o susto que ela tinha tomado e o desespero em guardar a caixinha prateada de volta na mochila. Sentou-se na cadeira do lado da mesa de onde estava a mochila de Mellanie. Não desistiria tão fácil.

- O que acabou de esconder, fofinha? - Mandy arregalou os olhos e olhou para Mel como se tirasse um raio-x dos seus pensamentos. - Pode confiar em mim... - Deixou a voz ficar adocicada. Mel não era assim tão estúpida.

- Eu não escondi nada. É só uma caixa com balas. - Retirou a caixinha da mochila e, sem abrir a tampa, a sacudiu por um momento. Mandy escutou o barulho de esferas batendo nas laterais metálicas. Olhou desconfiada, não acreditou nem um pouco, mas iria investigar isso depois. Agora estava com outro pensamento na cabeça, mas fez uma anotação mental para não se esquecer disso mais tarde. Não iria deixar Mellanie, a melhor amiga da sua maior rival, sair dessa, assim, tão fácil.

- Ah! É claro. - Sorriu amarelo enquanto piscava os olhos enormes freneticamente.

- O que você disse que queria mesmo? - Mellanie tentou mudar o assunto.

- Eu não disse! - Continuou sorrindo e virou o olhar para uma das prateleiras da sala. Mellanie suspirou. Não tinha paciência com aquela falsidade toda, mas se esse era o jogo, era melhor jogá-lo de uma vez.

- Então... Mandy, como posso ajudá-la? - Forçou a simpatia.

- Eu estava aqui... A imaginar com os meus botões se você não teria um pedaço de pano para me emprestar. Uma inútil sujou a minha blusa hoje, olha. - Apontou para a marca roxa minúscula que estava na blusa. - Então pensei, - Mel riu debochada, mas calou-se quando Mandy voltou os olhos grandes para ela - qual criatura desocupada nesta escola teria pedaços de pano sem valor destinados a limpar sujeira? Primeiramente, pensei em um dos faxineiros, mas você sabe, Melzinha, que não sei falar a língua deles e também não quero um pano que já tenha sido usado para limpar o chão. Então, me veio à mente a segunda opção: você! - Sorriu de orelha a orelha, como se tivesse acabado de falar um elogio enorme.

- Ah... Estou lisonjeada! - Respondeu a menina dos cabelos escuros, com toda ironia que conseguiu juntar nesse pouco tempo. Naturalmente, estava pouco se lixando com a marca de suco de uva na blusa da loira intragável. Sua maior vontade naquele momento era dizer "O problema é seu, dane-se", mas aquele era seu santuário, ali era o local no colégio onde mais se sentia bem, era a primeira vez que entrava ali em semanas e Mandy a estava incomodando. Era mais fácil entregar logo para ela qualquer pano que encontrasse e despachá-la dali o quanto antes. - Eu acho que tenho o que você precisa. O departamento de artes recebeu, neste ano, um estoque de toalhas novas para limpar os pincéis e os outros utensílios... Hum... Vou pegar uma delas no depósito para você, espere aqui.

Mel pegou as chaves do depósito, abriu uma porta que ficava na lateral da sala de artes e entrou na salinha pequena, mas bem organizada. Avistou uma pilha de toalhas brancas do lado de uma caixa cheia de pincéis novos, pegou uma das que ainda estavam embrulhadas no plástico. Sentiu uma pontada de sentimento ruim, deu de ombros. "Que mal isto pode fazer?" perguntou a si mesma. É claro que não tinha sido escolhida como monitora do departamento de artes plásticas para distribuir toalhas novinhas à qualquer fresca com uma mancha roxa do tamanho de uma cabeça de afinete estampada na blusa, mas ninguém iria sentir falta de uma toalhinha. E, se fosse preciso, ela mesmo comprava outra dúzia de toalhas depois. "Desde que faça ela sumir logo daqui...", faria qualquer coisa. Voltou à sala anterior.

- Aqui está. - Disse sem emoção nenhuma e entregou o pacote nas mãos de Mandy.

- Muito obrigada, fofinha! - Mandy deu o costumeiro sorriso falso. - Você sabe como é, minha blusa é caríssima e pertence a um estoque especial e raro, não quero que fique manchada assim! Tenho um produto importado da Alemanha, é ótimo, que você carrega na bolsa para esse tipo de emergência e então coloca uma gotinha em um pano limpo, dá uma esfregadinha e isso evita que a mancha fique grudada. Você sabe, não é fofinha? Se eu mandar uma das minhas blusas novas para a lavanderia especializada que minha mãe paga, generosamente, em dólares todos os meses e eles não conseguirem tirar essa sujeirinha, é bem possível que mamãe feche o estabelecimento! E a Melzinha sabe como eu sou caridosa, não sabe? - Usou o tom que usaria para dar um ossinho para seu bichinho de estimação. - Não quero deixar os pobres coitados que lavam as roupas na rua, se não... como iriam tomar banho? Imagina que nojo?

Mel fechou os olhos tentando manter a calma. Sabia que se fosse levada pela raiva e gritasse todos os xingamentos que já tinham inventado até hoje, o máximo que conseguiria seria prolongar ainda mais a estadia indesejável da loira. E, isso, seria como dar um tiro no próprio pé.

- Quer mais alguma coisa? - Perguntou na esperança de que ela entendesse a subjetividade das palavras e fosse embora logo.

- Não. - Respondeu, friamente, percebendo o convite a se retirar. - Bem, preciso ir... Tenho coisas a fazer, queridinha. - Levantou-se e saiu com a mesma elegância com que havia chegado.

Mel suspirou novamente. Como era bom se livrar daquela presença ruim, um alívio. Era como retirar o herege do templo sagrado. Poderia voltar, finalmente, a se concentrar na arte. Pegou um lápis e foi em direção à tela em branco, "espera!" gritou uma voz na sua cabeça. Mel olhou para os lados, procurou o que causou o alerta da sua consciência. Então, por fim, percebeu o que estava errado. Algo estava faltando.

~Ѽ~

- Isso é um absurdo! - Bianca reinvindicou enquanto deu um tapa na mesa do diretor. - Eu fui a vítima! Fui agredida verbal e fisicamente na frente de todos e agora também tenho que comparecer à detenção?

- Já dizia a minha avózinha, que Deus a tenha, "Quando um não quer, dois não brigam". É preciso duas pessoas para começar uma briga, Srta. Bittencourt!

- Mas Senhor Diretor! - Reclamou a garota, ainda de pé, indignada com tal fato. - Eu fui vítima de preconceito racial!

- Srta. Nakaíme, por que foi racista com ela? - Os dois viraram-se para encarar a japonesa, sentada, despreocupadamente, em uma das duas cadeiras estofadas que ficavam em frente à mesa do diretor. Ela brincava com um mini-globo, réplica em miniatura do planeta Terra, de vidro e preenchido por água que era objeto de decoração da mesa.

- Não fui racista com ela, papai. - A japonesa retrucou entediada, ainda com o objeto esférico entre os dedos.

- Como não?!? - Descontrolou-se Bianca.

- Eu só te chamei de "neguinha". - Os dois olharam para ela, incrédulos, esperando o que viria a seguir. - Ué! Você é o quê? Quer dizer que se você me chamar de "branquinha" ou de "japinha" eu vou vir aqui reclamar que me discriminou? Ah, não faz drama!

- Está vendo isso? - Esganiçou a outra. - É inaceitável!

- Olha aqui, "honey", eu te chamei de neguinha, foi você que levou isso como algo ruim. Quem está sendo racista aqui? Eu ou você? E mais, você é racista com você mesma, porque se achasse bom ser negra, aceitaria seu cabelinho ruim e pararia de fazer escova pra tentar parecer alguém branco. Mas a gente pode pular logo essa parte, papai? Quero saber logo o castigo porque eu não tenho o dia todo pra discursos de moral não. E aí? Qual vai ser?

- Aqui no colégio sou seu diretor, não o seu pai. Isso que você fez foi péssimo, racismo é crime. - Ela nem olhou para ele enquanto ele falava. - Pois muito bem, depois de ouvir as duas, decidi dar 4 dias de detenção à Srta. Bittencourt - Bianca cruzou os braços indignada - e um mês de detenção à Srta. Nakaíme. - Ela pareceu um pouco mais satisfeita depois disso. - Lembro que a Mellanie comentou comigo que precisava de uma pessoa para ajudá-la a organizar o departamento de artes para receber os alunos depois das férias, portanto, Srta. Bittencourt, sua detenção será auxiliá-la nessa tarefa.

- E ela? - Perguntou Bianca, querendo ter certeza de que Michelle não saíria ilesa dessa.

- Vou ver como ela pode ser útil ao colégio no próximo mês, pode deixar. - Bianca deixou a decepção espalhar-se em sua face. - Agora vocês devem ir - olhou o relógio - já está quase na hora do intervalo cultural! Vão!

Bianca levantou-se, impacientemente, e saiu sem olhar para trás, Michelle continuou olhando para o mini-planeta, depois saiu sorrindo.

~Ѽ~

Camilla sentiu-se livre pela primeira vez no ano. O resto do mundo não existia, seus problemas não existiam, nada mais existia senão ela, a moto vermelha e seu dono. Os dois estavam andando no limite máximo de velocidade em uma estrada afastada, ela abriu os braços, feliz. Se o capacete não fosse algo tão importante, teria gostado de sentir seus cabelos voando contra o vento. Mesmo com a brisa forte, não conseguia fechar os olhos. Ela estava com medo de acordar e ver que nada daquilo estava mesmo acontecendo.

- É aqui, pode parar! - Gritou ela para o motorista.

Alex freou vagarosamente, desceu da moto e ajudou-a a descer também. Camilla olhou ao redor, estavam exatamente onde queria. Alex jogou os cabelos ao vento e contemplou a paisagem, estavam na beira de um penhasco, perto da praia. Ali, podia-se ouvir claramente o barulho das ondas batendo nas rochas, o sol estava se pondo. O dia tornou-se em um tom avermelhado, era lindo. Para ela não foi suficiente, guiou-o até o ponto mais alto do lugar, onde a vista era ainda mais chocante.

Eles subiram algumas rochas em direção ao barulho das ondas, Alex percebeu que estavam chegando perto do oceano. Quando finalmente chegaram até onde ela queria, ele sentiu algo que nunca sentira antes, era um calor inexplicável. Olhou satisfeito para ela, seus olhos brilharam. Milla sabia o que estava prestes a acontecer, fechou os olhos e se aproximou lentamente do garoto. Algo inexperado acontecera, a última coisa que viu foi a água, de um tom azul muito escuro, entrar pelos seus ouvidos.

~Ѽ~

This entry was posted on quarta-feira, novembro 05, 2008 . You can leave a response and follow any responses to this entry through the Assinar: Postar comentários (Atom) .

5 comentários

ela morrreeeu?? como assim cara?!? quero o 4º!!!

caraaaaca muito phoda.... posta logo o quartooo *--------*

Essa michelle é foda, véi!

Caracaaaaaaaaaa, amei amei amei!!!
Está bom d+++!!!

Nossa mt boa a novela!!!
kndo sai o cap 6....???

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