Ѽ Capítulo 7: Vínculos rompidos  

Posted by: Venenosa

- Ai meu Deus, Mel! – Vicky gritou, tentando se soltar das amarras da maca em que estava sendo colocada para poder prestar atenção na melhor amiga que se encontrava desmaiada a poucos passos de si. Alex correu em direção à garota caída no chão e a segurou no colo, enquanto os paramédicos olhavam assustados não entendendo muita coisa.

- Vocês disseram que o chamado era para uma só pessoa. – Disse um deles, enquanto pegava um estetoscópio na maleta e avaliava os batimentos de Mel.

- E era! – Vicky gritou mais ainda, histérica, imaginando a falta de sorte de tudo isso acontecer justo no dia da sua festa do biquíni.

- Vamos colocá-la na maca reserva. – Sugeriu outro paramédico para aquele que parecia o chefe e estava dando leves tapinhas na face da Mellanie a fim de reanimá-la.

- Sim, temos que examiná-la. Pode ser grave. – Então olhou para Alex. – Ela reclamou de alguma dor? Estava sentindo algo diferente? Costumam existir sintomas antes de um desmaio.

- Não, - deu de ombros - comigo ela não comentou nada, mas eu percebi, pela aparência doente dela, que não estava nada bem.

- Ela me disse que tinha vomitado ontem! – Vicky gritou novamente, já dentro da ambulância e fora das vistas dos dois. – Disse que era intoxicação alimentar!

- Intoxicação alimentar não provoca desmaio, a não ser que seja algo muito grave. Bem, vamos ter que dar uma olhada. Coloque-a com cuidado ali, por favor. – E apontou uma das macas vazias que agora já tinha sido trazida para a rua.

~ Ѽ ~

- Ei! O que está acontecendo lá fora? – Gritou um dos homens altos no jardim dos fundos, que juntava os CD’s para poder se retirar.

- Não sei, me disseram que a Vicky passou mal e por isso teve que cancelar tudo. – Respondeu outro, mais alto ainda e careca, espichando o pescoço por cima da cerca viva para espiar um pequeno aglomerado de pessoas vestidas de branco na frente do jardim principal da mansão.

- O que aquele idiota está fazendo com a minha namorada de novo? – Kadu berrou, ajudando a afundar ainda mais o astral da festa que já tinha ido por água abaixo. Pôs se de pé e atravessou a porta de vidro do hall, buscando uma maneira de chegar até a ambulância no outro jardim.

- Quem é que vai me ajudar a recolher os espetos? – Gritou uma menina baixinha e magrela, vestida em um biquíni amarelo ouro. Parecia muito brava e ordeira.

- Eu vou, Érika! – Respondeu, prontamente, um dos jogadores do time, que puxou um dos espetos perto da beirada da piscina sem perceber que este estava dentro de um vaso de porcelana, que despedaçou em mil pedaços.
- Sua mula. – Disse a menina, nem um pouco surpresa com a falta de coordenação motora do garoto.

- Acho que já recolhemos tudo. – Constatou Léo, o careca alto do time, vinte minutos depois. – Vamos levar lá pra fora e colocar no carro. Quem vai comigo, já pode ir se mexendo, galera!

- Deixa que eu levo isso. – Disse Rafa, pegando uma das caixas de bebida que eles haviam trazido e levando-a até o conversível preto, carro do pivô do time. A ambulância, que antes estava parada próximo daquele local, não estava lá mais. Avistou Daniel ajudando a carregar as coisas, estava com uma garrafa de vodca na mão, apenas. “Preguiçoso”, pensou. – Hey Dan! – Percebeu Daniel girar a cabeça para encará-lo. – Vai de carona com o Léo?

- Vou! – Disse sorrindo enquanto se aproximava de Rafa. – Ele disse que vamos fazer uma pequena parada antes de ir para casa. – Sorriu maliciosamente.

- Aonde vamos? – Perguntou o outro, confuso. Outras pessoas começaram a sair da casa, ajudando a limpar a bagunça ou, pelo menos, a sumir com ela.

- Ele disse que vamos à casa de umas amigas, sabe como é! – Riu alto, estava consideravelmente bêbado.

- Não gostei dessa história! – Sorriu a garota de pele negra como a noite e brilhante como a Lua.

- Bibi! – Festejou Daniel ao vê-la. Correu, aos tropeços, para abraçá-la e beijou-lhe os lábios. – Não sabia que o meu amor iria aparecer aqui! – E tentou disfarçar o papo antigo.

- Olá Bianca. – Cumprimentou Rafa, já colocando a caixa no porta-malas do conversível parado ao seu lado. – O que está fazendo aqui à essa hora? Já está um pouco tarde para aparecer... Quase meia noite...

- Olá... Não, eu não fui convidada. – Sorriu amarelo para tentar demonstrar que não ligava a mínima para esse fato. – Eu estava – pausou – passando, pelas redondezas. Estava na casa da Jacky – e Rafa estremeceu ao ouvir esse nome -, queria ir embora e vim ver se poderia ir com um de vocês. – Alargou o sorriso. – Mas, espere, não achei que a festa da Vitória terminaria tão cedo... – Sibilou.

- Ah, parece que ela não estava passando bem, amor. – Respondeu Dan, beijando-lhe o pescoço. – Que bom que você apareceu...

- É mesmo? – Disse, parecendo confusa. – O que ela teve?

- Não sabemos. – Respondeu Rafael, secamente. A menção do nome de Jacky arruinara toda a sua noite. Juntado ao fato de que não conseguira ficar sozinho com Mellanie nem por quinze minutos para lhe contar, para se declarar... Seu humor estava péssimo. – Algo aconteceu com ela e com a Mellanie.

- Foi, a empregada só nos disse pra ir embora e pronto, amor. Nem nos explicou nem nada. – Daniel acrescentou, ainda lhe acariciando o rosto.

- Esperem... A Mel também passou mal? – Perguntou, desta vez, verdadeiramente confusa. Ela sabia que Vicky iria ceder à gula e comer os bombons alemães de damasco que ela, Jacky e Mandy lhe enviaram e acabaria com toda a festa, mas Mellanie? Seria ela também alérgica a damasco? Não era uma alergia muito comum, que coisa mais estranha...

- Sim. Saíram agora à pouco em uma ambulância. – Respondeu Rafa, percebendo que os beijos de Daniel estavam ficando mais fogosos, talvez por causa da falta de senso da bebedeira, e já querendo sair dali. Bianca resolveu aproveitar-se ainda mais da situação.

- Bom, que pena. Espero que fique tudo bem com o bebê. – Rafael, que já estava ensaiando uma saída despercebida, congelou no lugar, como se estivesse com os pés colados ao chão.

- Que bebê, amor? – Daniel desgrudou a língua da pele dela. Estranho como essa palavra assusta qualquer homem.

- Melzinha está grávida, não sabiam? – Perguntou, tentando simular uma face confusa, mas lutando para esconder um sorriso triunfante que insistia em não querer ir embora.

Rafael deixou o queixo cair, definitivamente não estava esperando por isso. Não, nem ao menos sonhava com tal fato. Quando poderia imaginar? Um suor frio derramava pelo seu rosto, molhando os cabelos louros e pingando sobre as maçãs da face avermelhadas. Seus sentimentos misturavam angústia e raiva. A angústia acompanhava o pensamento de que era muito jovem para ser pai. E sempre disse que amaria Mellanie pela vida toda, mas agora que “pela vida toda” tornava-se algo irremediável e sem volta, não tinha mais tanta certeza. Era uma responsabilidade maior do que poderia agüentar. E a raiva queimava quando refletia que Mellanie não quis lhe contar sobre isso, não tivera confiança para lhe dizer. Aparentemente, já contara ao colégio todo, já que sabia que ela e Bianca não eram amigas e, se ela sabia, era porque Mellanie já dissera para todos, exceto para ele. Ficou sem saber o que dizer, mas teria que descobrir até onde Bianca saberia. Talvez não passasse de boato, resolveu disfarçar e fazer a pergunta mais básica.

- Quem é o pai? – Gaguejou.

- O Kadu. – Disse, confiante, piscando os olhos cor de amêndoa.

Rafa riu alto, incrédulo. Agora tinha certeza de que essa história não passava de boato. Bianca tinha inventado tudo, não poderia ser verdade, não poderia.

- Kadu? Meu melhor amigo? - Riu novamente. Daniel, cambaleando, acompanhou a risada, mas Bianca manteve a face séria, cheia de desdém.

- Sim, o próprio. Não foi surpresa para ninguém, na verdade... Todos sabiam que o namoro dele com a Vicky já era. – Sorriu.

Rafa passou a mão pelos cabelos, preocupado. Pela primeira vez, parou de sorrir. O que ela acabara de dizer era completamente verdade. Há tempos que Kadu diz que o namoro com Vitória já estava nas últimas e que precisava de outra. O suor frio voltou a aparecer e ele, até mesmo, teve a impressão de sentir o chão se mover. Flashes começaram a aparecer na sua cabeça. Lembrou-se do último treino de basquete onde Kadu tentou convencer-lhe a não se declarar apara Mellanie, a esquecê-la. “Vai nessa que ela vai te perdoar assim tão fácil. Esquece a Mel, cara, tô te falando.”, as palavras de Kadu foram nítidas em sua cabeça. Rafa lembrou-se de outro trecho da conversa: “Bianca é a maior fofoqueira, mano! Se bem que dizem que tudo o que ela espalha é sempre verdade...”
O ódio começou a ferver em suas veias. Não estava nem enxergando a face triunfante de Bianca. Daniel estava tão bêbado que nem percebeu o mal estar do amigo e continuou a beijá-la.

Rafael andou alguns passos pela calçada, olhou para os lados. Não viu Kadu. Provavelmente, foi junto com a ambulância. “Onde Mel também está...” um capetinha com a própria face sibilou em sua cabeça. A raiva tomava cada parte do seu corpo, seus braços chegavam a formigar. A pele queimava em chamas vivas de ódio. Cenas de morte passaram pela mente, desejou ter uma faca, uma tesoura, um revólver, qualquer coisa, da próxima vez que encontrasse com Kadu.

~ Ѽ ~

- Como pude deixar isso acontecer? - Gemeu Vicky enquanto espremia o seu rosto, ainda inchado contra o travesseiro. - Aquela ordinária ainda vai me pagar! - Continuava a reclamar enquanto se ajeitava melhor na cama do seu quarto, puxando os lençóis azulados até a cabeça, embora não tivesse mais ninguém no quarto o desejo de se esconder ainda continuava forte.
Seus cabelos claros e lisos estavam completamente bagunçados, sua face, apesar de ainda não ter retomado a impecável aparência original, estava bem menos avermelhada. Percebeu que estava tão aterrorizada com a própria desgraça que já não parava para pensar sobre a amiga que havia desmaiado no dia anterior.
Ah, com toda a certeza Mel entenderia. Afinal era o rosto de Vitória que estava passando por péssimos bocados, o que seria mais importante? De qualquer forma já havia se convencido de que Mellanie estava apenas com algum tipo de intoxicação e logo melhoraria, ao menos era no que a loira queria acreditar.

Havia faltado na escola, pois logo teria que se levantar, tomar coragem e ir até o hospital para que dessem uma outra olhada na alergia que fizera sua garganta inchar ao ponto de quase não haver espaço para a passagem de ar na noite anterior. Mas como iria encarar o mundo com o rosto daquela maneira? É claro que não estava tão ruim como na noite anterior, mas as marcas ainda eram presentes na pele outrora lisa e macia.

Seus pensamentos foram interrompidos quando a porta do quarto foi aberta por um enorme buquê de flores cor-de-rosa. Vitória teve que piscar duas vezes antes de perceber que a empregada estava escondida atrás do arranjo floral.

- Senhorita Medeiros? Desculpe-me interrompê-la, mas esse buquê chegou mais cedo e não quis acordá-la... – Disse, desajeitada, enquanto depositava as flores na cama ampla. Vicky deu um gritinho animado.

- Não acredito que Kadu me mandou as rosas! E, cor-de-rosa, minha cor favorita! – Levantou-se animada até esquecendo-se, temporariamente, das marcas de alergia. – Não é lindo, Fátima? Não é lindo quando o romantismo não se perde em uma relação mesmo com o passar do tempo? – Perguntou, enquanto esticava o braço para alcançar o cartão preso por uma fita branca ao caule de uma das flores.

Em uma caligrafia fina e tinta preta estavam escritas somente 5 palavras:

“Espero que esteja melhor,
Alex”

Vitória piscou os olhos novamente, incrédula. Não sabia exatamente se estava louca da vida, feliz ou frustrada. Como o Kadu pôde fazer isso? Não a acompanhou até o hospital ontem, não ligou para saber notícias e nem sequer mandou um cartão! Estava cansada do descaso dele com a relação amorosa que construíram ao longo de alguns anos. “A verdade é essa, Vi, ele não liga pra você”, constatou uma voz em sua cabeça. As flores do Alex, contudo, eram lindas! E ele, apesar de frio e fechado, esteve com ela praticamente a noite de ontem inteira (contra a vontade dela, claro, que não queria ser vista com o rosto naquele estado), mas mesmo assim, foi uma atitude fofa... Isso a alegrou um pouco. Mas, qual é! “Espero que esteja melhor”? Será que não havia nada mais caloroso e agradável para escrever em um cartão?

- Algum problema, senhorita? – Fátima perguntou, desconcertada, diante do silêncio da patroa, que ainda segurava o cartão nas mãos.

- Não, não... – Ajeitou-se ela logo. – Traga-me o telefone, vou ligar para agradecer.

~ Ѽ ~

Alex escutou o toque tão familiar do próprio celular, franziu as sobrancelhas ao olhar o identificador de chamadas.

- O que você quer?

- Onde você está? – Perguntou a voz do pai, séria.

- Não é da sua conta.

- Até quando vai ficar nessa palhaçada de não dormir em casa? Você não pensa, Alex? Não tem dó da sua mãe? Ela está em frangalhos desde que você sumiu. – Aumentou o tom de voz. O filho realmente o tirava do sério.

- Ah, eu tenho certeza que ela já bebeu muito prosecco de tanta tristeza, não é? – Debochou. – O que você quer?
- Quero te avisar que recebi a visita de dois policiais hoje. Você tem idéia do quanto isso pode me atrapalhar? Se a imprensa vir a autoridade visitando a minha casa com freqüência, vão me arruinar! Achei que tinha conseguido enterrar esse caso, mas me parece que é bem mais sério do que eu imaginava.

- E você quer que eu faça o quê?

- Já que você não mora mais aqui, não tenho o dever de receber as suas encrencas que tocam a minha campainha, entendeu? Eles estão procurando por você, acho que querem ouvir de você o que houve aquele dia no penhasco. E acho bom você dar logo a sua versão antes que se torne um foragido, ouviu Alex? Acho bom mesmo, se você se tornar um foragido, não tenho certeza se ainda o quero como filho! Porque não segue o exemplo do seu irmão, meu Deus? – Alex desligou o telefone antes que o sermão começasse. É claro que sabia que era uma tremenda falta de educação, mas a sua família o deixava maluco. O telefone tocou de novo.

- O que você quer agora? – Perguntou, já nervoso, com o volume da voz alterado.

- Calma, só queria agradecer o presente... – Disse a loira, espantada com tamanha grosseria.

- Ah, oi... Vitória, desculpa, achei que era outra pessoa... Como está se sentindo?

- Estou bem, obrigada. Quero dizer, ainda tem marcas no meu rosto, mas a falta de ar passou. Onde você está?

- No hospital, ainda não liberaram a Mel. – Vitória assustou-se, como uma intoxicação alimentar poderia fazer com que Mel ficasse 12 horas num hospital?

- Como assim? Como ela está? – Perguntou, preocupada.

- Viva, ainda bem. Uma grave hemorragia intra-uterina, até onde sabem. O médico me disse que ela está sangrando por dentro, não tem certeza se é só o útero.

- O que? Como assim? Alex, eu não estou entendendo! – As mãos começaram a tremer, estava apavorada.

- Sim, parece que ela exagerou na pílula. Tomou quantidade maior do que deveria tomar... Pra idade dela, sabe? É bem novinha.

- Que pílula? – Vitória sacudiu a cabeça, tentando entender. Não sabia se era porque tinha acabado de acordar, mas não se lembrava de pílula nenhuma e certamente não sabia o porquê dessa hemorragia repentina.

- Pílulas do dia seguinte, Vick... Mel interrompeu uma possível gravidez.

Seu queixo caiu, não podia acreditar. Não era possível, Alex estava se confundindo. Não era verdade. Não mesmo.
- Oi Alex! Quanto tempo!

- Quem está aí? – A loira perguntou diante da voz feminina que ouvira do outro lado da linha. Alex virou-se.

- Ah! É a Milla! Vick, quando eu tiver mais notícias te ligo, tudo bem? Até depois. – Desligou o telefone antes que ela pudesse se despedir.

- O que está fazendo aqui, Alex? – Perguntou a garota de cabelos castanhos animada com o encontro inesperado.

- Estou... Hum... Acompanhando uma amiga.

- Ah... – Respondeu ela, percebendo que ele não queria comentar muito sobre o assunto.

- E você? Já te deram alta ou você ainda...

- Não, não! Já voltei pra casa! Vim pegar o resultado de um exame. – Levantou a mão esquerda mostrando um envelope.

- Mas... Está tudo bem? – Perguntou, preocupado.

- Sim, sim! Parece que foi só uma batidinha mesmo com a cabeça, nada de mais, sabe? – Alex suspirou de alívio ao ouvir isso.

- Que ótimo. Muito bom mesmo!

- Ei, escuta... Você já tomou café? Eu vim só pegar isso aqui mesmo, aí a gente podia, você sabe, comer alguma coisa...

- Não, eu não acho uma boa idéia, Milla, desculpa. – Foi impossível esconder a face da frustração ao receber essa resposta.

- Por que?

- Acho que a gente, bem, acho que não deveríamos mais andar juntos... – Ela arregalou os olhos, confusa. – ...por um tempo. – Acrescentou ele, cuidando para que ela não se sentisse ofendida.

- Aconteceu alguma coisa? Qual é o problema? – Perguntou, rapidamente, devido ao nervosismo.

- Então você não sabe?

- Não sei do quê? – Ela ficava mais confusa a cada instante.

- É que... Estão achando que você não caiu daquela pedra.

- Como não? Claro que caí! – Protestou com fervor.

- Acham que você foi jogada... – Ele olhou para baixo. – Que eu te joguei.

- O que? Que absurdo! Quem inventou isso? – Ela colocou a mão direita sobre a cabeça, apavorada. – Não é verdade! Foi um acidente! É por isso que me disseram que enquanto eu estava desacordada, um oficial veio me procurar!

- Certamente. Não sei quem inventou, Vick me disse que foi uma das garotas do colégio, bem, o boato ficou sério demais. – Respondeu ele, sério. – Então, acho que, até acertarmos essas coisas, deveríamos ficar afastados. Desculpa, Milla. Vejo você depois. – Ele a abandonou no meio do corredor e entrou em outro para poupar uma discussão maior. Se tivesse que cortar as relações com ela, que fosse rápido como quando se tira um band-aid, a demora aumenta a dor. É claro que não queria deixá-la, fora sua primeira amiga na escola nova e, mesmo a conhecendo por tão pouco tempo, já sentia um carinho enorme. Era uma amizade verdadeira, mas lembrou-se de uma frase do seu velho avô “A primeira virtude de um homem é o caráter” e depois acrescentou “Não sou um criminoso”.

Camilla sentiu-se um pouco tonta, não estava acreditando naquilo. Estava morrendo de medo no primeiro dia de aula, sabia que não iria se dar bem em um colégio de elite. Foi debochada no primeiro dia de aula e ele foi o único que a defendeu, mas e agora? Não tinha mais ninguém. Ele era o único com quem podia contar em uma selva onde só os fortes sobrevivem. E, não era só isso, estava começando a sentir um pouco de, como poderia explicar? Um sentimento que misturava admiração e necessidade. Seria amor? Em contraponto o ódio fez com que suas mãos tremessem, iria achar quem inventou esse boato. Iria achar a responsável pelo afastamento da única pessoa com quem se importava no mundo. E essa fofoqueira iria pagar.

~ Ѽ ~

Mandy passava, suavemente, a geléia de laranja na torrada, olhando, satisfeita, o seu farto café da manhã, haviam frutas, pães, leite e suco de abacaxi que serviam, não só de alimento, como também de decoração para a mesa, apesar do pouco apetite. O intervalo parecia, estranhamente, harmonioso e quieto. Talvez fosse a falta de alguns dos alunos, talvez fosse o bom sentimento de vitória na batalha da noite passada. Jacky ainda estava cabisbaixa, nem tocou na salada de frutas exóticas que encomendou do Egito. Bianca, por outro lado, estava animada e tagarela como sempre.

-Adoro geléia de laranja... me lembra damasco – Mandy sorriu levando a torrada até a boca, saboreando-a como jamais havia saboreado qualquer outra.

-Aposto que ela ainda deve estar vermelha como um pimentão! - Gargalhou Bianca enquanto bebia o suco de amora. Mandy somente outra vez.

- Só não entendi porque Mellanie e Alex faltaram também... O que seria isso? Solidariedade conjunta? – Soltou uma breve risadinha fina como a própria voz. Bianca riu também.

- Rafa também faltou. – Corrigiu Jacky entristecida, ainda olhando para baixo, brincando com a espátula de geléia entre os dedos. Mandy não respondeu. Não sabia o que dizer para a melhor amiga. Na verdade, ela não entendia porque Jacky estava daquele jeito. Estava praticamente um zumbi desde que Rafa terminou o namoro, não sabia mais como animá-la. Mandy duvidava a existência do amor, para ela, as pessoas somente ficavam juntas por conveniência, por egoísmo. Ficam com uma pessoa única e exclusivamente porque aquela pessoa faz bem a você mesmo, só.

- E então garotas, quem vai na minha festa no sábado? – Mandy perguntou com falsa animação para tentar embalar Jaqueline no espírito.

- Eu vou! – Respondeu Bianca de imediato. – Tem algum tema?

- Hum... Ainda não pensei muito nisso. – Respondeu rispidamente, tentando cortá-la. Mandy não considerava Bianca sua amiga, era somente uma garota influente no colégio que sempre estava a par de tudo o que acontecia. Era uma boa fonte de informações, mais nada. – E você, Jack?

- Não sei bem... Provavelmente você vai convidar todos, certo?

- Claro, vou fazer questão de que todos, inclusive as insuportáveis, vejam o meu prestígio. Depois de sábado, Vitória vai se envergonhar da festa que deu ontem.

- Mel e Rafa vão estar lá. Não quero ir. Ele pensa que eu não vejo os olhares que dá para aquelazinha. E, agora que terminamos, vai levar um piscar de olhos até que eles fiquem para lá e para cá de mãos dadas. – Essa era a coisa mais longa que ela disse em dias. “Deve estar melhorando”, Mandy pensou.

- Jack, já conversamos sobre isso. Você tem que deixar o Rafa pra lá. Sempre o achei muito tosco, sem contar mal educado, com aquela frieza toda. Ele terminou, acabou, pronto. Você é linda, pode arrumar um príncipe inglês se quiser.

- Você não entende! É muito fácil pra você falar pra eu esquecer o Rafa, não é você que dedicou meses da sua vida por ele, pra depois ser largada assim, do nada!

- Dedicou porque quis! Eu sempre te alertei sobre isso, sempre te falei que ele não retribuía com a mesma intensidade seus sentimentos! – Mandy esganiçou, com a voz fininha.

- Então agora está me chamando de idiota porque nem sempre sigo o que você diz? – Jacky retrucou, levantando o tom de voz.

- Não, estou dizendo o lendário “eu te avisei”! – Respondeu a outra, se defendendo.

- Mas como eu poderia saber, porcaria? A verdade é que começamos essa história por interesse dos nossos pais, mas eu me apaixonei!

- Agora sim estou te chamando de idiota!

- Como você ousa? – Jacky levantou-se da cadeira. As pessoas que estavam no recreio nem se incomodaram com a gritaria. Por incrível que pareça, mesmo o colégio sendo um local de alta classe, barracos faziam parte do cotidiano.

- Estou falando a verdade, se não pode aceitar, é problema seu. – Mandy levantou-se também. – E, aliás, tem muita coisa que você não consegue aceitar, não é Jacky? Como por exemplo, que seu namoro está terminado. Ouviu? Terminado!

- Acho que não sou eu que tenho problemas com a verdade aqui!

- O que quer dizer?

- “Ai, eu sou a Amanda, eu nunca me envolvi de verdade com ninguém e não acredito no amor porque meu papaizinho largou minha mamãe e eu para fugir com outra!” – Jacky fez falsete com a voz.

- Ordinária!

- Frígida!

- Mel engravidou. – Bianca disse, finalmente. Já tinha se divertido demais com aquela discussão e as pessoas estavam começando a olhar demais.

As duas arregalaram os olhos no mesmo instante, Mandy se sentou. Realmente não esperava por essa. Jacky continuou de pé, encarou Bianca.

- O que? – A voz estava trêmula. – Quem é o pai? – Estava com medo de fazer essa pergunta, talvez não tivesse forças para aceitar...

- Quem ERA o pai, você quis dizer. – Bianca corrigiu, em tom baixo, passando um pouco de geléia em uma torrada. Respondeu com tanta calma que parecia que estava respondendo a costumeira pergunta “será que hoje vai chover?”.

- Perdeu o filho, então? – Mandy quis se certificar de que tinha entendido corretamente.

- Abortou. – Respondeu a outra ainda sem nem olhar para as duas. – Quero dizer, não foi realmente um aborto, aborto... Ela tirou antes que o negócio crescesse. Pílulas do dia seguinte, digo. – Jacky finalmente se sentou.

- Você ainda não me respondeu. – Disse, tentando controlar o nervosismo.

- Kadu.

Sentiu vontade de sorrir pela primeira vez em dias. Tinha certeza que, depois dessa, seu namoro não estava tão acabado assim.

~ Ѽ ~
Vitória já estava pronta, tinha tomado banho, trocado de roupa e tentado disfarçar algumas manchas com corretivo facial, é claro. Iria ao hospital para se certificar de que ficaria tudo bem com a pele e aproveitara para ver Mellanie, mas antes, precisava confirmar os fatos. Pegou o celular e vasculhou a agenda na busca de um número que fosse confiável. Discou. Ela deveria atender, estava na hora do intervalo.

- Alô? Tânia?

- Oi? – Respondeu a garota do outro lado da linha. – Quem é?

- É a Vitória. Da festa, se lembra?

- Claro, claro! Desculpa não ter reconhecido a voz, é que...

- Não, tudo bem! – A garota já tinha começado com os “desculpas”. – Escuta, eu percebi que você tinha interesse em participar mais do nosso grupinho e tal...

- Ah, tenho sim! – Respondeu rapidamente.

- Então... – Continuou a outra, ignorando a interrupção. – Pois é, eu estive meio doente ontem e...

- É, eu fiquei sabendo, que pena! – Interrompeu novamente. Vicky já estava ficando irritada.

- Pois é, então eu não pude acompanhar uns acontecimentos, será que você poderia me deixar a par de algumas coisas?

- Claro, só me diga o que quer saber! – Estava prontificada a ajudar Vicky, sempre quis fazer parte da “panelinha”.

- Você sabe de algo sobre a Mel? Por que ela está internada?

- Bem, a Bianca acabou de dizer para quem quisesse ouvir que Mellanie estava grávida e que tentou abortar. – “Então é verdade”, pensou. Seus sentimentos estavam, novamente, misturados.

- Quem é o pai, você sabe?

- O Kadu. – Tânia fechou os olhos ao dar essa notícia, imaginou a fúria da loira quebrando o telefone na sua cabeça.

- Está bem, obrigada. – Disse com educação. – Nos vemos depois.

- Beijos.

Vicky olhou para baixo. Estava atordoada, era muita coisa inesperada acontecendo ao mesmo tempo. Quando será que tudo vai se ajeitar? O ódio estava a consumindo, não poderia ficar ali, no seu quarto, nem mais um minuto. Pegou a bolsa e saiu. Desceu as escadas correndo, abaixo delas, havia outra surpresa.

- O que você está fazendo aqui?

- Assim que eu ouvi os boatos lá no colégio uns 20 minutos atrás, vim me explicar. Professor de matemática que me desculpe.

- Não quero saber de você! Quem te deixou entrar? – Estava começando a ficar alterada.

- Sou seu namorado há anos, não me barram mais na entrada.

- Não te barravam, né meu filho? Não te barravam! – Gritou ela. – Vou avisar agorinha mesmo que você está proibido por aqui.

- Vick, raciocine, isso é pura mentira. Como eu poderia engravidar a sua melhor amiga? Não faz drama! Se me dissessem que tem um elefante cor-de-rosa fazendo malabarismos com fogo, seria mais provável de acreditar do que isso!

- Eu não quero saber das suas explicações. E eu estava de saída, você vai se retirar por bem ou vou precisar chamar alguém para te expulsar daqui?

- Então é assim? Depois de anos de namoro, você vai preferir acreditar numa fofoca que em mim? – Perguntou, incrédulo.

- Ah, claro! Anos de namoro, de carinho, de dedicação máxima, não é Kadu? – Constatou ironicamente.

- Pode ser que não tenha sido assim. Pode ser que não, mas nosso namoro sempre foi harmonioso e pacífico. A gente nunca chegou nem a ficar sem se falar, nem a brigar sério um com o outro, sempre nos demos muito bem e você vai jogar isso tudo fora por causa de um boato?

- Sabe por que a gente não briga, Carlos? Porque a gente não ta nem aí um pro outro, a gente não se importa. Nosso namoro é viajar um pouco nas férias, dar uns amassos em qualquer lugar e só. A gente não conversa, a gente não ri, a gente não se diverte...

- Mentira! Eu me divirto com você!

- Ah é? Fazendo o quê? Sexo é que não é!

- Mas você mesma disse que não queria! A gente podia fazer...

- Não, porque aí nosso namoro não seria mais só beijos, seria só sexo. E não é o que eu quero pra mim.

- Você está dramatizando! Claro que eu ligo pra você! – Contestou ele, já sem ter o que falar.

- Liga? Eu quase morri ontem, minha garganta inchou a ponto de fechar, você não foi comigo na ambulância, não foi lá me ver, não me ligou hoje de manhã e eu recebi flores, mas adivinha só! Não eram suas!

- De quem eram? – Perguntou ele em um tom bravo.

- E agora a primeira coisa que eu ouço na manhã que você engravidou a Mel! Acabou, Kadu. – Ela colocou os óculos de sol antes de sair ligeiramente pela gigantesca porta principal. Entrou em um carro que já estava parado na porta da mansão e disse ao motorista a direção. Ele não teve tempo de se explicar.

~ Ѽ ~

- Oi. Que bom que te encontrei acordada.

- Oi! – Respondeu Mellanie, vendo a figura da melhor amiga. Tinha cansado de ficar sozinha a manhã toda.

- Como se sente? – Perguntou friamente.

- Bem, obrigada.

- Olha, eu vim te dizer que preferia se, daqui em diante, você ficasse longe de mim.

- O que? Por que? – Mel ficou assustada, fez menção de levantar-se do leito, mas Vitória colocou a mão sobre seu peito e a fez continuar deitada.

- O boato que corre por aí é que você estava grávida... – Abriu as persianas das janelas do quarto - ...do kadu.

- Isso é ridículo! - Alterou-se – Vi, eu juro pra você, amiga, eu nunca tive nada com o Kadu. Nada!

- Eu sei.

- Então por que...?

- Você acha que se minha melhor amiga estivesse tendo um caso com o meu namorado eu não iria saber? Claro que eu sei que não era do Kadu. Era do Rafa não é? – Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça. – Meu Deus, Mellanie! Por favor, não quero mais saber de você.

- Se você disse que não acreditou, então por que está...?

- Por que? Você ainda tem coragem de me perguntar o porquê? Mellanie, eu te considerei minha melhor amiga, te contei tudo, meus segredos, meus desejos, meus sonhos e até minhas “conversas” entre quatro paredes com o meu namorado! Te contei meus receios sobre sexo, tudo! Eu confiava em você, Mel! E aí você fica grávida do melhor amigo do meu namorado e, ainda por cima, na chácara da minha família e me diz que é intoxicação alimentar?
- Como você sabe que foi...

- Na chácara da minha família? Pelo amor de Deus, Mellanie! Eu posso me fazer de sonsa, mas eu não sou! Eu sei contar, pra você ter tomado pílula do dia seguinte só pode ter sido aquele dia! E também percebi a mudança no seu comportamento. Mas isso não é importante. O que me deixou fula da vida é que você não confia em mim! Eu deveria ser a primeira a saber, mas fico sabendo por uma figurante chamada Tânia que ouviu tudo da boca da Bianca! Pra mim não dá mais, Mellanie. Nossa amizade termina aqui. Eu poderia perdoar tudo, mas confiança é a base de qualquer relacionamento. Se você não tem confiança, você não tem nada.

- Vick, mas eu confio em você... – Mellanie tentou discutir, mas estava fraca. Mal conseguia manter os olhos abertos e a voz firme.

- Se confiasse, teria me contado. Não teria mentido sobre uma coisa tão importante. Enfim, vim só te falar isso. Desculpe ter vindo dizer tudo com você nessa situação, mas eu precisava colocar um fim logo. Adeus. – E saiu do quarto antes que a primeira lágrima escorresse pela sua face.

~ Ѽ ~

- Eu sabia que iria te encontrar aqui... – Kadu disse para uma figura alta e loira que estava arremessando freneticamente uma bola de basquete alaranjada na cesta. Não acertara nenhuma.

- Pois não? – Rafa perguntou, sem nem encarar o ex - melhor amigo.

- Precisamos conversar! – Kadu gritou para um Rafael que parecia não ouvir. Escutou o eco de sua voz na quadra vazia.

- Interessante. – Respondeu depois de vários minutos. – Conversar sobre o quê?

- Você sabe sobre o quê! – Respondeu o outro, chegando mais perto.

- Tem razão. – Rafa soltou a bola e virou-se para encará-lo. – Sei. – Colocou a mão direita sobre o bolso de trás e apertou o canivete que lá se encontrava.

~ Ѽ ~

Ѽ Capítulo 6: Vultuosa  

Posted by: Venenosa

Verão, uma época tão quente e interessante aos olhos dos jovens, afinal: qual dos jovens não adora bronzear-se, tomar sorvete ou nadar? Ou, como é o caso de nossas cobrinhas, usar o verão como desculpa para exibir-se por aí usando peças de roupa minúsculas? Como eu disse, é uma época quente, mas quem garante que o calor venha mesmo do Sol?

- Festa do biquíni hoje, lá em casa! - Vicky exclamou para Mel, jogando um convite roxo na frente da amiga, sentada na costumeira mesa no pátio do Marine High.

- O quê? Na quarta-feira? - Mel levantou os olhos e encarou a amiga, depois pegou o pedaço de papel roxo que se encontrava em sua frente. Tinha cheiro de lavanda.

- E desde quando tem dia certo para haver festa? - Vicky perguntou sem entender. Depois olhou para Mel com mais atenção e percebeu que a amiga estava acabada. Seus cabelos estavam presos em um rabo-de-cavalo muito estranho e meio torto, as olheiras eram evidentes em sua face jovial e as roupas pretas pareciam meio amassadas. - Você está bem?

- Estou. Quero dizer, vomitei a noite passada, mas acho que é só algum problema de intoxicação alimentar. - Mas ela sabia que não era. Tinha tomado a segunda pílula 12 horas depois da primeira, como mandava na caixa.

- Você não parece bem. Foi no médico?

- Não vou ao médico.

- Mel! Você deveria ir ao médico! - Vicky esganiçou tão alto que uns meninos da oitava série que estavam passando pularam de susto e ficaram parados contemplando as duas. Ela franziu as sobrancelhas em sinal de ameaça, eles continuaram a andar. - Você não sabe se é algo sério.

- Ah e eu vou dizer o que? "Vomitei noite passada porque comi fora de casa e estou com medo de morrer, me ajude doutor!"? - Disse a outra em tom de zombaria.

- Também não precisa ser hostil... - A loira preferiu deixar isso pra lá, afinal, Mellanie já era bem grandinha para saber se cuidar. - Mas e aí? Posso contar com você hoje a noite?

- Claro. Vou ver se faço algumas compras hoje à tarde. Meus biquinis que usei em Havana nessas férias já estão meio fora de moda.

- Ótimo! - E um sorriso brotou na face bonita da loira. - Você precisa ver a fonte de coquetel que mandei fazer especialmente para essa ocasião! Vão ser quatro tipos de coquetéis: um chamado Sunshine, outro chamado Sunset, Sunrise e Dusk. O último era pra ser "Sundown", mas aí achei que pareceria marca de protetor solar e não ficaria legal com a minha festa, sabe? Também encomendei alguns ornamentos alaranjados, amarelos e vermelhos, aquela coisa bem verão, para ficarem perto da piscina. O uniforme dos garçons que eu escolhi é um tom meio bronze, eles não ficaram nada felizes com isso, mas quem se importa? - Vicky encarou a amiga. - Mel, você está me ouvindo? - Mel balançou a cabeça para os lados, como se estivesse acordando de um pensamento muito profundo.

- Estou sim! Uniformes bronzes, certo... Ei, por curiosidade, quem mais você convidou?

- Estou convidando a galera de sempre, você sabe, e algumas novatas com quem me identifiquei. Nunca sabemos a próxima a fazer parte da panelinha, não é mesmo? - Deu uma risada abafada. - Fiquei sabendo que uma das novatas é filha de um embaixador, imagina como deve ser legal?

- É.

"Droga!", Mel pensou. A "galera de sempre" certamente incluía o Rafa e a Jacky. O Rafa porque era melhor amigo do Kadu e a Jacky, única e exclusivamente, por ser sua namorada. Mel sentiu o estômago revirar novamente. A única coisa boa que isso implicava era que Mandy e Bianca não seriam convidadas e elas eram as únicas que, certamente, sabiam de algo sobre a "ex-gravidez". Bianca, logicamente, já sabia de tudo. Mandy só desconfiava, mas nada garantia que Bianca já não teria aberto o bico, "Ei Mandy, lembra que você comentou comigo que a Melzinha estava segurando uma caixinha suspeita e te disse que eram balas? Pois é...", ela já podia ouvir a voz insuportável de Bianca em sua cabeça, contando todo o segredo para a outra. Pôde, até mesmo, imaginar os olhos azul piscina de Mandy brilharem como nunca.

- Meeeeeel! Alô! - Gritou Vicky novamente, deslizando a mão, para cima e para baixo, em frente aos olhos da amiga. - Você está mesmo me escutando? Eu estou te contando a história do gato da filha do embaixador faz uns 10 minutos e você nem piscou!

- Não, eu ouvi. - Sentiu os olhos da amiga perfurarem os seus. - É... - Sorriu. - É um gato muito... astuto. - Vicky arregalou os olhos, incrédula e avaliando a saúde mental da melhor amiga.

- Cara! Você precisa mesmo de um médico!

~ Ѽ ~


Do outro lado do pátio, Bianca sentou-se, cuidadosamente, ao lado de Jacky e Mandy, que estavam conversando e não gostaram nem um pouco da interrupção. A garota negra ajeitou a saia branca bordada ao assento e sibilou:

- Já ficaram sabendo das novas?

Mandy e Jacky entreolharam-se, curiosas.

- Não.

- Vicky vai dar uma festa do biquíni. Adivinha quem não foi convidada?


- Como se a gente quisesse ir... - Respondeu Jacky, sem emoção. Ainda estava em clima de funeral por ter terminado com o Rafael.

- No fim de semana, eu é que vou dar uma festa. Vai ser "a festa do ano". - Mandy disse, com a voz fininha, mas muito decidida.

"Você é que pensa", Bianca pensou, sorrindo ao se lembrar que a loira, provavelmente, mal tinha dinheiro para comprar um par de sapatos Jimmy Choo. Jacky, antes absorta em seus pensamentos lastimosos, levantou a cabeça e fixou o olhar a frente.

- E por que esperar até o fim de semana, se podemos desbancá-las hoje mesmo? – Sussurrou fortemente, com a sua voz de veludo.

- O que quer dizer? – Retrucou Bianca em resposta.

- O óbvio. Vicky, Rafa e Melzita vão estar lá e ouvi dizer que a humilhação é ainda maior quando o inimigo está em seu próprio território.

- Gostei. – Mandy respondeu, pensativa. Ela sempre gostava das idéias malignas de Jacky, outrora sua aprendiz sobre os baques da vida, agora cobra criada. Poderia até pensar que a melhor amiga estava se tornando melhor que si própria, “mas que bobagem”, refletiu consigo mesma ao pensar nessa hipótese. Jacky estava, obviamente, sendo movida pelo instinto de ódio pelo Rafael. Ela, realmente, gostava daquele jogador de basquete, estava sendo movida pelos seus sentimentos, enquanto Mandy não precisava de nada para movê-la contra Vitória, fazia por pura diversão. – Qual é o plano?

~ Ѽ ~

Ouvia-se o barulho da bola quicando no chão da quadra de basquete, Kadu e Rafa estavam praticando lances de novo.

- A Jacky deve ter ficado puta! – Kadu riu alto, debochando da história que o amigo acabara de contar. Correu quicando a bola até o outro lado da quadra e pulou assim que pisou no garrafão.

- Ela achou que eu estava brincando, acho que só hoje que a ficha caiu.

- Cara, aquela garota é neurótica. Escreve o que eu tô te falando, essa sua história com ela ainda não terminou. Certeza que ela ainda vai arrumar um jeito de causar confusão.

- Não, não acho. A Jacky é doidinha, mas ainda não chegou a ponto de perder o amor-próprio se arrastando atrás de mim. – Rafa balançou os cabelos louros enquanto arremessava a bola e marcava o ponto.

- A Vicky que vai gostar de saber dessa separação, você sabe como ela ficava quando nós quatro inventávamos de sair. – Kadu sentou-se no chão do outro lado da quadra, suando de cansaço.

- Por falar nisso, sabe o que eu achei estranho? – Rafa tentou outro arremesso, mas errou desta vez. – Eu terminei com ela ontem e isso ainda não está nas manchetes do jornal de hoje. – Riu alto.

- Isso foi estranho mesmo. Provavelmente, a Jaqueline deu um jeito de abafar a separação... – sorriu de lado – ou então ainda não contou pra Bianca.

- O que a Bianca tem a ver? – Rafa franziu as sobrancelhas.

- É a maior fofoqueira, mano! Se bem que dizem que tudo o que ela espalha é sempre verdade... – Deitou no chão da quadra, não agüentava mais.

- Sabe qual a parte boa disso? – Interrompeu o outro, bufando de cansaço, ainda correndo para lá e para cá com a bola de basquete e treinando arremessos. – Vou falar com a Mel hoje, na festa da Vivi, vou contar pra ela que terminei com a Jack. – Kadu, virou-se para encarar o outro, incrédulo.

- Você tem algum problema mental?

- O que foi? – Rafa perguntou, inconsciente a que se referia a pergunta do amigo.

- Você acha que vai chegar na casa da Vicky, vai ver a Mel entre todos aquelas quinquilharias laranjadas, ou como diria a Vicky: “não são laranjadas, são salmão!” , vai chegar nela e vai dizer “Mel, terminei com a Jacky, estou disponível para você!” e ela vai pular nos seus braços e te beijar?

- Por que não? – Disse sorrindo, ao pensar na hipótese.

- Você entende alguma coisa de mulher? Sério? Ela não vai fazer isso, cara. Não mesmo.

- Não sei se você se lembra, mas nós tivemos a nossa noite no último dia de férias. – Parou com os exercícios para poder discutir com o amigo.

- Aham. E no dia seguinte, ela acordou achando que você estaria lá com ela, mas você apareceu de mãos dadas com a Jack. Vai nessa que ela vai te perdoar assim tão fácil. Esquece a Mel, cara, tô te falando.

- Não dá. – Rafa disse seriamente, já cansado com o pessimismo de Kadu.

- Claro que dá! – Levantou-se do chão, agarrou a bola de basquete novamente e arremessou, cesta. – Mulheres são como sorvete, tem de vários sabores, hortelã, morango, menta, sabores infinitos para experimentar. Vou te dizer uma coisa, ninguém quer só um tipo de sorvete. Pegue uma colher!

~ Ѽ ~

Enquanto isso, os corredores do Marine High paravam para observar uma figura feminina e loira passar, deslumbrante, com uma bolsa enorme de cor vermelho-caqui. Vitória deslizou por entre as pessoas que a cumprimentavam, às vezes somente com a cabeça, às vezes com um grito de admiração. Chegou ao lugar que queria, abriu a porta do departamento de artes.

Vislumbrou a sala colorida, nela havia seis pessoas, quatro delas nos cantos da sala ampla com seus próprios cavaletes, compenetradas na arte que produziam. As outras duas se encontravam em uma das mesas, no centro da sala, conversando animadamente. Vicky sorriu ao vê-los. Mel sorriu de volta, puxando um dos bancos para a amiga sentar. Alex só acenou, depois de correr os olhos pela loira, avaliando-a dos pés à cabeça.

Vicky sentou-se com elegância, olhou para os lados, certificando-se que ninguém ouviria esta conversa. Deparou-se com uma das mesas de centro toda despedaçada.

- Nossa, o que aconteceu aqui? – Um nó brotou na garganta de Mel.

- Ah, isso foi a Bianca. – Sorriu falsamente. – Ela é muito desastrada, veio cumprir detenção ontem e acabou derrubando algumas coisas e olha o estado em que deixou a mesa!

- Ah. – Vicky deu de ombros, não era algo que tinha relevância ou, ao menos, era o que pensava. Abriu a bolsa nas cores do verão com delicadeza e retirou um envelope roxo, Mel entendeu a deixa.

- Pois é, eu tinha mesmo que comunicar ao diretor Nakaíme que precisamos de uma nova mesa na sala de artes. Beijos,Vi. Até mais, Alex, depois continuamos a nossa conversa! – Saiu rapidamente da sala, deixando os dois praticamente sozinhos, somente na companhia de outros quatro estudantes que estavam concentrados demais para bisbilhotar a conversa alheia.

Alex ficou um pouco confuso com a saída repentina da sua nova amiga. Por acaso, também gostava de artes, especialmente do desenho e se inscrevera nessa atividade, indo contra as manifestações dos pais para que se inscrevesse no treino de basquete. Não se arrependeu da escolha oposta, Mel parecia ser muito amável e prestativa, doce como o nome inferia, ajudou-o com algumas técnicas de desenho e logo estavam amigos. Seus pensamentos foram interrompidos quando Vicky atirou o envelope roxo em sua frente. Ele encarou-a por alguns instantes, antes de abri-lo com cautela, como se estivesse esperando que uma tarântula saísse de lá de dentro. Puxou o papel igualmente roxo que estava dentro do envelope.

- Tem cheiro esquisito.

- É lavanda! – Ela sorriu como se fosse bem comum papéis roxos com cheiro de xampu infantil. – Leia.

Ela sorria muito enquanto aguardava o garoto extremamente bonito passar os olhos pelo papel. Observou as sobrancelhas dele se levantarem à medida que lia o cartãozinho.

- E então, você vai? – Ela perguntou, animada, antes que ele pudesse falar alguma coisa.

- Não sei. Aqui diz que é uma festa do biquíni.

- E?

- Não é óbvio?

- Ai Meu Deus, você é mesmo Last Season. – Disse em um tom cansado, mas deixando transparecer a animação do convite. – Não é para homens usarem biquínis, homens usam... você sabe... trajes de homens! “Festa do biquíni” é só para colocar nome em tudo. – Ele levantou ainda mais as sobrancelhas pretas, Vicky imaginou até onde elas poderiam ir. Aguardou, mas ele não disse mais nada. – Você vai ou não?

- Não sei.

- O que é? Seu papai não deixa? – Disse em tom de deboche, visivelmente desapontada pela não-confirmação da presença.

- Não é isso. – Ele respondeu seriamente, não seria manipulado com essa jogada. Resolveu virar a mesa. – Por que quer que eu vá? – A face de Vicky mostrava claramente o desconcerto, não estava esperando por essa pergunta. Pelo contrário, todas as vezes que convidava algum homem para qualquer coisa, mesmo que seja para limpar a gaiola do seu dragão de komodo, recebia um “sim” na hora, sem nem pestanejar.

- E como sabe se eu quero que você vá? – Ela tentou jogar, depois de alguns segundos de ficar sem saber o que fazer ou dizer.

- Você acabou de me convidar, não foi? Se me convidou é porque quer que eu vá, ou estou errado? – Ele deu um meio sorriso, como se estivesse se divertindo nesse jogo de deixá-la sem palavras.

“Droga, esse cara é esperto”, pensou ela e tentou pensar em algo para responder, mas foi interrompida.

- Vicky?

Ela nunca ficara tão feliz em ouvir o próprio nome, a hora não poderia ser mais oportuna. Virou-se na direção da voz feminina.

- Sim? – Disse sorrindo, ao encarar uma garota desconhecida, baixinha, com os cabelos pretos e curtos presos por uma fita lilás. A roupa era da estação passada.

- Oi, desculpa te interromper assim...

- Não que é isso! – Deu um sorriso gigante, mostrando seus dentes perfeitamente brancos e alinhados, quase assustando a novata. Vicky estava contente com a interrupção. – Qual o seu nome?

- É Tânia. – Ela sorriu ligeiramente, um pouco envergonhada. A loira encarou-a, esperando que ela falasse o motivo da interrupção. – Eu estava passando por aqui e vi você, fiquei sabendo da sua festa e, desculpa, eu sei que é muito atrevimento meu, mas eu quis te perguntar se eu poderia ir também... – Ela olhou para o chão enquanto falava, estava muito envergonhada para olhar para a “Rainha” da instituição. Normalmente, Vicky teria reparado as roupas da estação passada, o cabelo desajeitado, e a visível falta de combinação de cores entre os sapatos e a fita e teria rejeitado a garota na hora. Sem contar o jeitinho dela, muito “me desculpe”, muito envergonhado, ela gostava de ver as novatas lutarem para ser da panelinha, alguém que pede desculpas em cada frase não parece ser alguém que cumpre esse requisito. Mas Vicky estava tão contente pela hora tão apropriada que essa intrusa apareceu que nem pensou duas vezes.

- Claro, claro. Está convidada! – Sorriu enquanto abria a bolsa novamente e entregava um envelope para a Tânia, “que nome brega”, pensou. – Ah! É uma festa do biquíni, então não esqueça de levar um biquíni nas cores do verão, não da primavera, tudo bem? – “Vai que ela troca as estações de novo? Que horror”, acrescentou ao pensamento. Alex riu abafado frente à conversa das duas pattys.
Elas o encararam com expressão brava, ele olhou para o outro lado.

- Ah, muito obrigada! Desculpa de novo qualquer coisa! Tenho que ir! Beijinhos! – E saiu no mesmo embalo que tinha entrado.


- Também está na minha hora... – Vicky disse baixinho, olhando o relógio de parede no departamento de artes plásticas. – Vê se aparece. – Disse em um tom muito misterioso, misturando animação e desafio, depois saiu da sala com a mesma elegância que tinha entrado.

~ Ѽ ~

- Último horário, finalmente! – Michelle gritou quando o sinal bateu e se direcionou ao corredor para ver Daniel ao menos pelos 5 minutos entre os horários de aula.

Subiu um lance de escadas até onde ficava a sala do terceiro ano, desviou dos alunos que aproveitavam o pequeno intervalo entre as aulas para ficar no corredor atrapalhando o caminho e testando a paciência de quem quer que estivesse tentando passar. Avistou Daniel, correu em direção a ele.

- O que é isso na sua mão? – Michelle perguntou, curiosa, vendo o envelope roxo que se encontrava nas mãos do irmão que tentou escondê-lo assim que a viu, mas não obteve sucesso.

- Assunto meu.

- Não é uma cartinha amorosa, é? – Disse ela, desconfiada, tentando puxar o papel. O irmão amassou o papel entre os dedos e o enterrou no fundo do bolso.

- Não.

- Então o que é? – Perguntou, enchendo-se de animação.

- É... – Teria que contar, ele sabia o quanto a irmã era insistente, ah se sabia. – É um convite.

- Convite de quê?

- Festa na casa da Vicky.

- Legal, que horas vamos chegar lá?

- Eu vou chegar às 10 da noite, você não vai. – Observou o rosto da irmã contorcer-se em ódio.

- Por que não, infeliz? – Ameaçou-o com os olhos estreitos, típicos traços orientais.

- Porque você não foi convidada. E foi o Kadu, com a permissão a Vicky, que convidou o time de basquete.

- Mas eu sou sua irmã, como te convidaram e não convidaram a mim? – Já estava a ponto de gritar e fazer um escândalo no meio do corredor cheio de alunos.

- Desde quando você é colada em mim? – O sinal para o último horário bateu. – Tenho que ir, nos vemos em casa, irmãzinha! – Deu uma piscadinha e entrou na sala depois de atropelar um garoto magricela que estava parado observando os dois.

Michelle bateu os pés no chão e prometeu a si mesma que isso não ficaria assim. Teria troco.

~ Ѽ ~

- Já está tudo pronto! – Vicky gritou quando abriu a porta da mansão para Mellanie, com as mãos cheias de sacolas coloridas com marcas famosas na estampa.

- Ótimo! Hoje à tarde fiz umas compras, olha! – Levantou uma das mãos com as sacolas, um sorriso se iluminou no rosto da outra.

- E você veio antes pra me pedir opinião pra escolher? – Os olhos dela brilhavam como se estivesse ganhando o melhor presente de natal.

- É. Eu sei que você adora essas coisas e você tem melhor gosto para a moda do que eu então...
- Ai Melzinha, eu te amo! – Pulou no pescoço da amiga para dar-lhe um abraço animado, depois se separou e começou a dar pulinhos de excitação. – Vamos subir para ver o que você comprou! Ai Mel, você precisa ver como a decoração está bonita, fiquei a tarde toda dando ordens de onde deveriam ficar as coisas, estou cansadíssima, amiga! Aqueles empregados parecem que não tinham nenhum senso de direção, eu falava esquerda, direita e eles se moviam para os lugares todos errados, já estava me dando nos nervos e... – Foi contando a loira sem, nem mesmo, parar para respirar enquanto subiam as escadas de mármore com detalhes dourado-ouro.

Depois de duas horas de intermináveis discussões de qual cor de biquíni era melhor: vermelho-sangue ou amarelo-ocre e várias gargalhadas originadas pelas fofocas mais atuais do colégio, elas sentaram-se sobre a cama de casal que havia no quarto de Vitória e ficaram olhando para o teto, cheio de estrelinhas trabalhadas e pintadas em ouro que contrastavam a tinta branca porcelana da parede.

- Você acha que o Rafa vai vir? – Mel perguntou baixinho, refletindo sobre a sua atual situação.

- Acho bem provável, falei ao Kadu para chamar o time de basquete, sabe como é, homens altos, fortes e definidos nunca são demais! – Sorriu a loira, mas ao encarar a expressão preocupada da amiga, desmanchou o sorriso. – Qual é a de vocês? Achei que já tinham passado dessa fase desde que ele começou a namorar a cobrinha.

- Não, não é isso... A gente já superou isso. É que, bem, a gente andou conversando...

- Quando?

- Na festa do seu pai naquela chácara, sei lá. Semana passada...

- Conversaram sobre o que? – Espantou-se.

- Ah, ele disse que me ama. De novo, sabe? Fazia muito tempo que a gente não conversava daquele jeito, meio amoroso, sei lá.

- Mas aí ele apareceu no outro dia com a Jacky, no colégio...

- Foi... – Confirmou a outra, com a voz pesarosa.

- Ah Mel, você sabe o que eu acho disso. Eu gosto bastante do Rafa, sempre foi legal comigo, talvez por causa do Kadu, mas não importa. O fato é que ele não é bom o bastante para você. Pensa que ele já beijou a víbora, está envenenado. Você merece alguém que te valorize.

- Eu sei. – Disse séria, mas verdadeira. – A campainha tocou.

- Nossa! Já são mais de 10 horas! Vamos descer que os convidados chegaram! – Puxou a amiga até o corredor e depois escada a baixo.
Vicky abriu a porta toda sorridente, já vestindo seu traje de banho de cor laranja vivo com algumas pedrinhas brilhantes e deu de cara com todo o time de basquete do colégio, trazendo umas garrafas de vodca e uns CD’s de hip hop.

- Olá! – Sorriu amarelo quando viu que os amigos do seu namorado estavam planejando transformar sua Festa do Biquíni em um baile de periferia. – Entrem!

- Oi amorzão! – Gritou Kadu, um dos mais altos do grupo, atropelando dois dos jogadores que estavam entupindo a porta, que já era enorme, para poder beija-la. – Onde estão seus pais?

- Viajaram para Bali, voltam no fim de semana, por quê? – Estranhou ela, a festa não era clandestina, já tinha pedido permissão aos seus pais e, como eles nunca lhe negavam nada, haviam deixado.

- Hora da festa galera! – Gritou Kadu, deslocando a massa de homens para o jardim, onde começaram a tocar um dos CD’s que eles mesmo haviam trazido. Vicky arregalou os olhos de espanto, isso não estava nos planos.

- Relaxa, amiga! – Mel disse sorrindo. A campainha tocou novamente. – Devem ser as garotas! – Vicky abriu a porta novamente e foi saudada com exaltação pelo grupo de garotas, todas com trajes de banho, dando pulinhos de animação e se dirigiram para o jardim. Vicky olhou pela porta de vidro que dava ao jardim, um dos amigos de Kadu estava usando um dos vasos chineses caríssimos de sua mãe como porta espeto de churrasco. Mel observou Rafa tirar a camisa, deixando mostrar seu peito definido, e pular elegantemente na piscina. – Vou lá fora, já volto!

- Tudo bem. Eu vou checar com os garçons na cozinha, acho que não estavam planejando um churrasco. – Disse irritada com a mudança de rumo que a festa estava levando. Caminhou em direção à porta lateral que levava a cozinha, ouviu o soar da campainha de novo, correu novamente até o Hall de entrada. – Quem pode ser? Está atrasado! – Disse para si mesma antes de abrir a porta e dar de cara com Alex.

Cabelos pretos ensopados, a moto vermelha estacionada logo atrás dele, no jardim da frente e um sorriso de derreter gelo.

- Posso entrar? – Disse divertido, observando a cara de surpresa da garota. – Ou vai ficar só aí me encarando?

- Você não veio com o traje da festa! – Ela disse na tentativa de disfarçar a cara abobalhada. Vislumbrou a jaqueta preta, as calças azul-marinho de nylon com pelo menos 8 bolsos e os tênis que ele estava vestindo.

- Não planejo nadar. – Disse sorrindo e entrando no Hall. Deu uma olhada ao redor. – Casa adorável.

- Decoração de mamãe. – Disse ela séria, ainda surpresa e ainda segurando a maçaneta da porta que ainda estava aberta.
- Está esperando mais alguém? – Perguntou ele, segurando o riso. Ela fechou a porta, contrariada com a pessoa que sempre percebia as suas situações de embaraço.

- Os outros estão lá de fora. – Tentou mudar de assunto.

- O seu namorado está lá de fora? – Perguntou ele, singelo, chegando mais perto. Sentiu a respiração dela ficar mais densa.

- Está. E o resto do time de basquete também. – Disse firmemente, tentando não se deixar levar pela proximidade.

- Acho que vou preferir ficar aqui dentro. – Respondeu baixinho, ressaltando cada palavra. Afastou-se dela. – Mas, se quiser, pode ir lá fora ficar com os seus amigos, você é a anfitriã. Eu não me incomodo... – Disse olhando para outro cômodo que parecia ser a sala de televisão.

- Talvez eles não se incomodem se eu ficar aqui dentro um pouco... – Ele encarou-a surpreso, deu um sorriso torto. – Quero dizer, eu acho que estou ficando meio resfriada, sei lá, você sabe como é perigoso ficar lá de fora, à noite, no sereno, posso pegar uma coisa mais grave...

- Eu sei. – Sorriu. Andou até a sala onde ficavam a televisão e uns sofás bastante confortáveis, ela o seguiu.

Lá de fora, um dos garotos do time de basquete observava, através da porta de vidro, os dois conversarem no Hall.

- Ei, Kadu! Aquela não é a sua namorada entrando na sala de televisão com o novato? – Kadu esticou o pescoço e apertou os olhos para ter maior visibilidade. Não estava disposto a brigar com aquele cara, mas aquilo já era ultrapassar limites. Não seria o novo corno da instituição escolar, motivo de chacota dos outros jogadores do time, razão da fofoca quente dessa semana. Ainda mais perder a garota para um assassino. Abriu a porta de vidro e direcionou-se à sala onde os dois estavam, queria se assegurar do que estava rolando lá dentro.

Mel parou de observar Rafa conversando com uma novata, aparentemente chamada Tânia, quando viu uma aglomeração de garotos observando através da porta de vidro. Parecia que estavam seguindo o último jogo de futebol da temporada, nem piscavam os olhos. Resolveu ir lá para ver o que estava acontecendo.

- O que estão vendo? – Perguntou ao garoto alto que se encontrava ao seu lado, tentou romper a barreira de pessoas que se punha a bisbilhotar através da porta para poder se certificar de que não era um desastre, Vicky iria pirar.

- Kadu acabou de ver a Vicky entrando com o cara da Shadow vermelha naquela sala ali, fecharam a porta. Agora ele foi lá, vai dar briga! – Respondeu ele se divertindo ao máximo com a situação.

- Aposto 50 que o Kadu esfrega a cara dele no concreto! – Gritou um dos garotos, levantando o copo cheio de vodca.

- O outro também é musculoso, cara! Aposto 100 que ele acaba com o Kadu!

- 200 que os dois apanham da Vicky por aprontar escândalo na festa! – Berrou outro garoto lá no fundo. Ouviram-se muitas gargalhadas e alguns outros gritos.

Mel achou melhor ir lá ver de perto se poderia amenizar a situação. Sabia que a melhor amiga iria pirar se os dois saíssem na porrada e acabassem com a festa. Abriu a porta de vidro silenciosamente e correu pelo corredor até entrar na sala e ouvir um grito.

- Como assim não é isso? Você diz que não quer transar comigo, que não acha que é a hora e todo aquele monte de porcaria, mas na primeira oportunidade se tranca na sala com esse pedaço de merda? – Alex se levantou frente à provocação.

- Acho melhor você parar com isso se não quiser se machucar. – Ameaçou.

- O quê? Vai me matar também? – Kadu deu uma risada alta e áspera, Alex perdeu o controle e avançou. Mel entrou na frente.

- Pára já com isso. – Gritou firmemente. Os dois trocaram outro olhar raivoso, mas tomaram alguma distância.

- Só porque ela pediu. – Alex disse, retomando a calma. – E, também, não quero fazer a sua namorada te ver apanhar como um bebê.

- Cai dentro então! – Berrou o mais alto. Kadu ainda estava nervoso. A campainha tocou. Vicky agradeceu aos céus por ser “salva pelo gongo” pela segunda vez no dia.

- Me dêem licença. – Saiu da sala elegantemente para abrir a porta, não queria que seus convidados fossem recebidos por algum empregado qualquer.

- Kadu, o Rafa estava procurando você, parecia ser sério. – Mellanie disse, olhando para ele, tentando colocar um ponto final na briga antes que os dois realmente se machucassem e estragassem tudo. Ele deu uma olhada fixa e raivosa para um Alex calmamente sentado no sofá e saiu da sala.

- Obrigado. – Alex falou sem nenhum pingo de ironia.

- O quê? Pelo quê? – Perguntou ela confusa.

- Por não me deixar quebrar a cara dele. Me traria mais complicações do que já tenho.

- Como está a Camilla?

- Estou planejando visitá-la amanhã. Se ela se lembrar do que aconteceu, vai poder dizer a todos que eu não tive culpa.

- Vou torcer para que ela se lembre! – Sorriu a garota. – Bem, vou procurar a Vicky, se importa de ficar aqui sozinho?

- Não, de maneira alguma. Deve ter algo bom passando na TV. – Respondeu amigavelmente.

- Tudo bem... Então até mais! – Ela disse antes de sair da sala. Deparou-se com Vicky no corredor. Ela estava segurando um embrulho de tamanho médio. – O que é isso?

- Não sei... Uma das empregadas abriu a porta e disse que deixaram isso aqui para mim. – Rasgou o papel, cuidadosamente arrumado. Era uma caixa de bombons alemães.

- Parece ser chique. – Mel deu de ombros.

- São pra mim, são chiques. – Respondeu a outra, enquanto procurava uma maneira de abrir a caixa. Estava curiosa.

- Tem idéia de quem mandou?

- Não sei... Pode ter sido meus pais para tentar me agradar, algum parente maluco que confundiu minha data de aniversário, o Kadu que quando começamos a namorar me mandava presentes nas minhas festas para todos verem o quanto ele era romântico, ou seja, tem várias opções. – Finalmente conseguiu abrir a caixa. Os bombons estavam arrumados na caixa sobre um papel laranja e embrulhados em embalagens igualmente alaranjadas. Os formatos eram variados e uma cobertura laranjada fazia alguns desenhos em cima do chocolate marrom escuro.

- São lindos! – Mellanie disse sorrindo, contemplando os bombons pequeninos contidos dentro da caixa. – Qual o recheio?

- Não sei... Você sabe ler alemão? – Perguntou a loira, encabulada com esse presente misterioso, sem cartão, nem nada.

- Realmente não. – Respondeu a amiga, desapontada. – Acho que você vai ter que comer para descobrir. Vicky pegou um dos bombons, pequenos demais, de maneira que não havia como dar uma mordida. Colocou-o inteiro na boca e mastigou. Mel ficou observando a expressão facial dela. – E então?

- Não sei... Tem um gosto diferente, meio exótico. – Colocou outro bombom na boca a fim de descobrir de que era feito aquele recheio delicioso. Não fazia idéia. – Talvez seja alguma fruta nativa de lá... Prove. – Estendeu as mãos e a caixa para a amiga que pegou um bombom e mastigou. Enquanto esperava a opinião dela, comeu outro, eram muito bons!

- Ah, eu sei o que é isso! – Mel disse sorrindo depois de provar o doce. – Isso é damasco!

Os olhos da loira arregalaram-se como ela nunca viu antes, ela jogou a caixa no chão e saiu correndo em direção à cozinha. A outra a seguiu, não sabia o que causara essa reação tão repentina.

- Vicky! O que aconteceu? – Perguntou enquanto corria atrás dela, que chegara na cozinha e estava mirando o rosto na parede espelhada.

- Damasco! Sou a alérgica à damasco! – Respondeu chorando, colocando a língua para fora e observando.

- De 1 a 10, quão alérgica?

- 11! Tenho que ir pro hospital. Chama a ambulância, rápido! – Mel pegou o interfone que ficava na parede da cozinha e discou o número da portaria da mansão.

- Alô! Preciso que você chame uma ambulância para a Vitória, rápido, é urgente! – Quando virou para trás e ficou frente à amiga novamente, pulou de susto. O rosto de Vitória tinha inchado como Mel nunca achou que fosse possível, suas orelhas estavam do tamanho de uma bola de tênis, os olhos estavam espremidos entre as duas bochechas que agora estavam enormes e o queixo poderia ser facilmente confundido com um joelho que nasceu no lugar errado. As lágrimas escorriam pela face da amiga que, a cada segundo que passava, estava ficando mais vermelha, como se ela fosse um tomate. Vicky colocou a língua para fora, Mel achou que fosse um salame.

- Se eu não estiver no hospital na próxima meia hora, a coisa vai ficar feia! – Mel se perguntou como poderia ser mais feio que aquilo. - Estou vultuosa! Tentaram me envenenar! – Choramingou a outra, escondendo o rosto com as mãos. Mellanie notou que ela já tinha fechado as janelas que davam para o jardim enquanto ela estava falando com a portaria da mansão, certamente não queria que nenhum dos convidados a visse daquela maneira.

- Se acalma, amiga... A ambulância deve estar chegando, você sabe como hospitais particulares são rápidos, ainda mais que é a sua família que sempre faz doações de seis dígitos para eles. Estão chegando, não chora, assim vai ficar mais difícil de respirar! – Tentou acalma-la, mas sem sucesso. Ela já estava soluçando tão alto que logo alguém iria lá ver o que estava acontecendo. Mel sentiu o estômago revirar, a tontura veio logo depois. Segurou no balcão da cozinha e fechou os olhos, passou. A melhor amiga estava tão cega pelas lágrimas que nem percebeu o seu mal-estar. – Tem idéia de quem pode ter sido?

- O grupo de pessoas que sabe da minha alergia é pequeno. Meus pais e o Kadu que tive que explicar porque recusei umas bolachinhas com geléia de damasco quando viajamos para Quebec, mas não acho que ele faria isso comigo! – Chorou ainda mais alto ao pensar na possibilidade de o namorado ter pretendido matá-la. – Eu não pude reconhecer o gosto, Mel! Comi três bombons porque não sabia como era gosto de damasco, a última vez que comi foi na infância quando descobriram a minha alergia! – Ela colocou o rosto entre as mãos que estavam apoiadas na mesa, desesperada.

- Tudo bem, agora não tem mais jeito. Você já comeu. Tem certeza que não tem mais ninguém?

- Não! – Berrou esganiçado entre soluços. Vicky pensou por mais alguns instantes. – A Jacky, a Jacky sabia!

- O quê? Como a Jacky pode saber disso? – Mellanie ficou espantada e um pouco incomodada, era a melhor amiga e não fazia idéia da alergia da outra. Como Jacky poderia saber?

- Ela costumava ser minha melhor amiga quando éramos pequenas. Um dia tive que recusar uma sobremesa na casa dela e ela descobriu. – Vicky observou a expressão de ciúmes na face de Mel. – Ah, isso foi bem antes de eu conhecer você e antes de a Mandy aparecer em nossas vidas. Não te contei porque nem lembrei disso, Melzinha, sério.

- Tudo bem... – Ela suspirou, pelo menos a amiga tinha parado de chorar em alto volume. Ouviu-se o som da campainha.

- É a ambulância. Carmem, cancele tudo, diga aos meus convidados que eu passei mal e que não pude ficar aqui! Diga também que depois eu faço outra festa e que é para todos irem embora! – Vicky gritou para uma das empregadas enquanto pegava o seu casaco perto da porta e se vestia. Mel a acompanhou, iria junto com a amiga até o hospital.

Alex apareceu no corredor, ao mesmo tempo confuso e espantado com a face de Vitória, que agora parecia mais um biscoito tamanho jumbo. Nem perguntou o que aconteceu, visto que as duas estavam com pressa, vestiu a jaqueta e as seguiu até o jardim. Os outros convidados estavam tão entretidos no jardim dos fundos com todo o churrasco não planejado e a música extremamente alta que nem se deram conta do que estava acontecendo.

Os três correram em direção à ambulância onde já haviam alguns paramédicos preparados para receber a garota, visivelmente vultuosa. Vicky subiu na ambulância, entre lágrimas e vergonha, não queria que Alex a visse daquela maneira. Mel estava explicando toda a história para um dos paramédicos, enquanto os outros já estavam ajeitando Vicky em uma maca e dando-lhe um medicamento.

- Sim sim, ela é totalmente alérgica a damasco e comeu uns três bombons, pelo menos foi o que ela me... – E foram suas últimas palavras antes de cair, depositando seus cabelos muito negros no chão frio da rua.

~ Ѽ ~

Ѽ Capítulo 5: Vertigens  

Posted by: Venenosa

- O que você está fazendo mexendo nas minhas coisas? – Mellanie gritou, desesperada, enquanto se dirigiu para onde a garota estava, triunfante, segurando uma das pílulas.

- Quem é o pai? – Bianca esganiçou, com os olhos negros brilhando e ignorou a raiva da outra.

- Saia já daqui! – Mellanie gritou mais ainda, tirando a pílula à força da mão de Bianca, guardando dentro da caixinha metálica e enfiou tudo na mochila. Suas coisas caíram no trajeto devido à tremedeira das suas mãos. A raiva espumava dentro de seu corpo. O que iria fazer agora? Tinha que evitar de todo o jeito, deveria impedir Bianca de contar qualquer coisa. Estaria perdida se os outros soubessem. Sua mãe nunca iria aceitar uma filha grávida aos 16 anos, seria excluída na escola, teria que interromper os estudos e ele... talvez decidisse, simplesmente, ignorar o filho. E isso não era o pior...

- Eu perguntei quem é o pai, Melzinha! – Bianca sorriu maldosamente – Quem foi que teve a coragem de engravidar uma pseudo-gótica suja como você?

- Cale a boca! – Mellanie perdeu o senso do que era aceitável e o que era digno de expulsão dentro do colégio, avançou em Bianca. Perdeu a cabeça. Não estava raciocinando, não estava pensando. Mellanie, definitivamente, não era uma garota violenta, não tinha qualquer intenção de machucar os outros, mas viu-se, ali, apertando as mãos no pescoço da colega de turma.

Bianca arregalou os olhos, não esperava essa reação da doce garota de olhos quentes e esverdeados. Caiu sobre uma das mesas do ateliê, tentou soltar as mãos de Mel do seu pescoço, já estava ficando sem ar, mas não conseguia. Mellanie agarrou a outra como se dependesse daquilo para viver. Muitos de nós parecemos calmos, serenos e doces, isso, até alguém descobrir um segredo que pode acabar com você. Não, Mellanie não estava preocupada com o que os outros iriam pensar, na verdade, isso era o de menos. O problema é que, dizer em voz alta fazia daquilo uma verdade irreversível, algo que não poderia mais ser escondido... dela mesma. E, pior, dizer a verdade em voz alta implicava, não somente ter que dá-la como um fato, mas também, ter que lidar com ela. Mellanie ainda não decidira o que fazer e era exatamente esse o motivo de estar carregando aquelas pílulas na mochila...

De repente, algo fez Mel acordar, um estalo de consciência antes de um momento que seria decisivo para o desfecho de sua vida dali para frente. Se a gravidez já estava a fazendo equilibrar-se em um muro que separa a clareza da insanidade, como poderia conviver consigo mesma se, além de grávida, fosse uma assassina? “Ela ainda vai acabar com você”, sussurrou uma voz doce dentro de sua cabeça que Mellanie reconheceu como sendo a sua própria. Resolveu ignorá-la e soltou as mãos. Bianca fez força para respirar, ainda estava em choque. Mel afastou-se dela, esparramada no chão do ateliê ao lado de uma mesa caída, e caminhou lentamente até a pia onde se lavavam os pincéis. Abriu a torneira, molhou o rosto. Depois apoiou as duas mãos sobre o granito e deixou a cabeça pender para baixo. Fora por pouco. Estaria ela beirando a loucura?

Bianca levantou-se, passou as mãos sobre o pescoço onde, anteriormente, estavam cravadas as unhas de Mel.Sentou-se em uma das cadeiras.

- Você sabe que posso ferrar você de verdade por causa disso, não sabe? – Disse seriamente.

- O que você quer? – Mel resmungou, ainda olhando pra baixo com as mãos apoiadas na pedra fria.

- Quero saber quem é o pai.

- E o que isso te interessa? – Perguntou a garota, ainda não conseguindo encará-la. Estava tentando convencer Bianca de que essa informação não era nem um pouco relevante. Mel sabia, contudo, que a negra deslumbrante adorava uma fofoca. Tinha a necessidade de saber da vida alheia da mesma maneira que tinha a necessidade de respirar.

- Acho que todos vão gostar de saber como arrumei essas marcas na garganta. – Sorriu ela em resposta, já se controlando do susto.

- Não vão acreditar em você. Todos sabem que você não passa de uma fofoqueira, inventa qualquer boato para poder se promover...

- Ah não? – Ela sorriu maliciosamente – Ah não? Acha mesmo que ninguém sabe que estou de detenção? Acha que o diretor não escreveu por escrito que você deveria me orientar aqui nesta sala, exatamente neste horário? Acha que meu pai, funcionário de alto escalão da polícia, não vai gostar de te colocar na prisão por tentativa de homicídio, Melzinha? Acho que todos vão gostar de saber da história da grávida assassina...

- Já mandei calar a boca! – Mel gritou novamente, mas agora olhando para ela, cheia de raiva. Bianca nem se importou.

- Bem que a Mandy comentou comigo que havia percebido você com uma caixinha diferente... Disse para ela que eram balas, não foi? – Bianca riu. – Sorte que ela é tão ingênua quanto o Sol é minúsculo. Quem diria... Pílulas do dia seguinte... Então, está pensando mesmo em matar seu feto ou já o fez? – Mellanie se aproximou novamente, Bianca afastou-se com cautela com medo de um novo ataque.

- Bianca, você não pode dizer isso pra Mandy, ouviu? Não pode! – Ela arregalou os olhos, deixando o desespero fluir. Bianca franziu o cenho.

- E por que não? – Mel não respondeu. Não deveria ter dito isso. Bianca girou os olhos e se concentrou, tentando resolver o dilema. De repente, uma lâmpada acendeu em sua cabeça. – Por que será que Melzinha não quer que eu conte para a Mandy? Será que é porque a Mandy, certamente, vai contar para a Jacky que, por sua vez, é namorada do Rafa? – Bingo!

- O Rafa não tem nada a ver com isso! – Tentou mentir, mas, na condição em que estava, a mentira foi tão visível quanto luzes na escuridão.

- Então ele não sabe que é o pai? – Tarde demais para disfarçar...

- Já perdi minha paciência com você, Bianca! Some da minha frente! – Mel urrou, a calma descendo ladeira abaixo.

- Estou de detenção, esqueceu?

- Eu escrevo uma carta pro diretor te livrando dela, some! – Abriu a porta do ateliê e observou a garota vestir o casaco, e se certificar que as marcas no pescoço estavam bem escondidas, e ir em direção a porta.

- Era isso mesmo que eu queria. – E foi voltando-se para o corredor, mas, como que se tivesse esquecido algo, apareceu novamente. – Ah! E, não esqueça, você está em minhas mãos.

~ Ѽ ~

- Por que não?

- Porque não vai dar, Jack... Já te expliquei isso!

- Mas eu não entendo! Por que não quer ficar comigo?

- Não é isso, Jack! Você não entende mesmo as coisas! Sempre tem que ser tudo do jeito que você quer! Já disse que não posso!

- E por quê?

- Vou estar com o time de basquete. Já te disse isso! – Rafa já estava perdendo a paciência com a insistência da namorada.

- Essa porcaria de time! Toda vez te tira de mim! – Tentou pegar nas mãos dele, mas ele retirou as mãos de onde estavam e alisou os cabelos.

- Jack, assim não está dando.

- O que quer dizer? – Ela olhou fixamente para ele, realmente não entendendo o que ele queria dizer.

- Eu não sou seu Poodle!

- Claro que não, amor! Poodle é cachorro popular! Você é meu Pug! – Colocou os braços ao redor do pescoço dele e tentou beijá-lo, mas ele afastou-a com cautela.

- É exatamente disso que estou falando. – Disse sério. – Eu não sou propriedade sua. – A garota olhou assustada para o rapaz loiro e atlético, estava esperando o pior. – Acho que devíamos dar um tempo.

- Rafa, diz que você está brincando, bebê! – Jacky descontrolou-se, estava visivelmente abalada com o fim do relacionamento. Ela que adorava tanto namorar o jogador de basquete mais famoso do Marine High e gostava de exibi-lo como se fosse propriedade, pegou-se cheia de sentimentos por ele. Não entendia como uma briga estúpida poderia acabar com tudo desse jeito. Pobrezinha, mal sabia ela que Rafa era, praticamente, uma abelha à procura de algo mais doce, algo doce como mel...

- Jacky, a gente não dá certo. Nossos pais nos apresentaram e ficaram felizes com a nossa união, mas não vejo motivos em continuar se a gente não se gosta.

- Eu amo você! – Ela colocou as mãos sobre as orelhas do rapaz e olhou fixamente em seus olhos. – Ouviu? Eu amo você!

Ele retirou as mãos dela com cuidado e disse baixinho:

- Até mais, Jack.

E saiu, não só partindo um coração que, aos olhos dos outros, parecia frio como gelo, mas, também, entornando o cálice do botulismo.


~ Ѽ ~

- Quero pedir desculpas pelo adiamento do nosso almoço, ontem estive realmente ocupado.

- Tudo bem, papai. – Kadu disse, tentando mostrar entusiasmo no restaurante lotado. – O que tinha a nos comunicar?

- Bem... – Roberto olhou para a esposa sorrindo, preparando-a para dar a boa notícia. – Adquiri um ranário!

- Um o quê? – Kadu perguntou, meio desconcertado. Teria esperado qualquer loucura do pai, menos um aquário gigante para anfíbios. De fato, ele sempre inventava alguma
maluquice a fim de passar o tempo, visto que não fazia nada da vida e só tinha dinheiro pelo fato de ter se casado com a filha de um grande empresário. Esses negócios dele não passavam de puro capricho, bancado com o dinheiro da esposa, claro.

- Um ranário! É genial, filho! O consumo de rãs vem aumentando muito nestes últimos tempos! E eu sempre tive vontade de fazer algo que envolvesse culinária.

- Mas isso não tem nada a ver com culinária!

- Claro que tem, filho! – Falou o homem, animado. – As rãs vão ser vendidas para grandes cadeias de restaurantes de luxo.

- Tá, só espero que não termine como aquela sua outra grande idéia da loja de esquis.

- Amor, seu pai precisa de apoio. Seja bonzinho, Carlos. – A mãe virou-se para o filho gentilmente.

- Eu não poderia saber que o empreendimento do esqui daria tão errado, meu filho!

- Ah claro, porque muita gente no Rio compraria esquis. Do jeito que aqui neva, seria quase como os Alpes suíços. – Kadu disse baixinho, tentando não causar maiores complicações. Não era revoltado e não tinha motivos para entrar em conflito com a família. Aliás, não estava nem ligando. “Fodam-se as rãs”, pensou “Rã boa é rã na panela”. E pôs fim nas preliminares de uma discussão em pleno almoço.

~ Ѽ ~

- Ora ora ora, olha só quem teve a cara lavada de aparecer aqui na instituição novamente! – Ouviu-se o comentário em alto volume de Jaqueline Deville, sentada em uma das mesas da cafeteria do colégio, na manhã seguinte.

Todos pararam de conversar instantaneamente e voltaram-se para a porta onde visualizaram Alex, com a aparência de quem havia sido atropelado logo cedo.
Seus cabelos negros estavam caídos sobre o rosto pálido, tampando ligeiramente as olheiras bastante profundas que se apoderavam de sua face bonita. Carregava a mochila em um só ombro e fez questão de ignorar o comentário da patricinha. Foi passando vagarosamente por entre os alunos que estavam no pátio esperando o início das aulas daquela manhã. Teve que fazer mais esforço ainda para ignorar os comentários que vinham dos “paus mandados”, nenhum deles falou diretamente com Alex. Na certa, estavam com medo de serem as próximas “vítimas”, mas também não faziam esforço algum para diminuir o volume das críticas.

- Assassino, é isso que ele é. – Disse uma das vozes que vinham da multidão.

- Você acha mesmo que ele matou aquela garota? – Comentou uma garota do primeiro ano com a pessoa do lado.

- Como vou saber? Ouvi dizer que está no hospital até agora!

- Que maníaco! Isso é falta de limites!

- Sempre desconfiei que era drogado. – Acusou um desconhecido para um dos amigos parados, em pé, ao seu lado.

- Ele usa drogas?

- No mínimo! Olha para as roupas dele, provavelmente ele cheira até talco.

- Essa pose de idealista nunca me enganou. – Deixou claro uma garota que tomava a lição de fisico-química com o garoto.

- Pobre menina, aceitou uma carona para casa e acabou sendo estuprada e jogada morro abaixo.

Esse último comentário surpreendeu Alex. Ele teve vontade de parar para quebrar a cara do imbecil que se atreveu a suspeitar de seus valores morais e éticos, mas isso o deixara tão surpreso que ficou incapaz de agir. É lógico que já sabia que as pessoas o taxavam de assassino, mas essa história do estupro ultrapassou todos os limites. Alex não sabia quem inventara esse boato ridículo, mas jurou a si mesmo que a vingança seria cravada como espada em pedra.

~ Ѽ ~

Mel sentou-se no depósito do ateliê, estava mais calma agora. Poderia pensar com clareza o que deveria fazer. Obviamente, a situação estava indo de mal a pior, mas teria que arranjar um jeito de sair perdendo o mínimo possível. "Dentre os males, o menor" constatou.

Ficou muito tempo trancada na pequena sala pensando as possibilidades. O que seria pior? Mandy ficar sabendo de tudo pela Bianca e depois contar a Jacky que saberia na hora que havia sido traída na cara dura. "Isso seria divertido", pensou. Ver a cara furiosa de Jacky frente à traição definitivamente era um ponto a favor desse plano. Por outro lado, Rafa também ficaria sabendo do filho e a verdade era que Mel não tinha a mínima idéia de como ele reagiria.

Rafa era um cara bem reservado, muito músculo, pouca fala. Era difícil saber o que ele estava pensando, já que tentava manter sempre a mesma expressão impenetrável e forte, artilheiro do time de basquete, tricampeão estadual de natação, mas nunca um sentimental. Contudo, toda vez que estava ao lado de Mel, sua personalidade mudava completamente. Passava de forte e definido para derretido e sorridente. Ela lembou-se de como se conheceram, um ano atrás.

Era novata no Marine High e todos lhe deram boas-vindas, com exceção do Rafael que fazia questão de fechar a expressão facial a cada vez que ela passava, tentando não ceder a algo que estava queimando por dentro. Mel teve, por muito tempo, medo dele. Sempre frio e impassível, exatamente o contrário de uma artista, como ela. Certo dia, o garoto pegou detenção por quebrar um dos vidros do colégio utilizando uma pedra e teve de cumprir um trabalho ali no departamento de artes, justamente o mesmo que dera um desfecho tão trágico a essa história. Foi então que os dois pegaram-se sozinhos dentro da sala.

O garoto forte e louro tentou, com todas as forças que possuía, continuar distante, um mecanismo de auto-defesa natural, mas viu que aquilo era bem mais forte que qualquer força física. Foi aí que ela percebeu que ele não era nada daquilo que tentava mostrar. Ele até sabia tocar violão e compunha as próprias músicas, ela mostrou seus desenhos, aqueles que nunca mostrava para ninguém, mas ele não era ninguém. Certamente, ele era alguma coisa. Deram certo como nunca tinham visto antes, eram a peça que faltava no quebra-cabeça do outro. Isso até o momento em que uma peça maior e mais cara entrou na jogada. Pobre Melzinha, lembro-me quando descobriu que Rafa era namorado de Jaqueline Deville, uma forte candidata a pessoa mais intragável do Rio de Janeiro, ficou devastada. Um jardim sem flores.

Mel sorriu, era bom recuperar algumas lembranças, talvez Rafa gostasse da notícia. Já havia dito que a amava como nunca amara alguém antes, que seria capaz de fazer qualquer coisa por ela. Essa era uma ótima oportunidade para saber se ele estava mesmo falando sério. Se a amasse mesmo, não a deixaria com um filho. Mel balançou a cabeça como se estivesse espantando uma mosca que pairava no ar. Não poderia usar o filho como objeto, era uma pessoa, não um jogo anti-mentiras. E, afinal, no que diabos estava pensando? Mesmo se Rafa, completamente bipolar e imprevisível, gostasse da idéia do bebê que estava se formando dentro dela, o que iria fazer? Iria ter um filho aos 16 anos? Iria criá-lo? Iria educá-lo? Tinha certeza de que a criança nunca passaria fome, sua família era abastada. Mas uma criança não vive só de bens materiais. Quem iria ensiná-lo a andar? A falar? E, mais importante de tudo, quem iria ensiná-lo sobre valores éticos, sobre como ser um bom cidadão, uma boa pessoa? Quem?

Mel não tinha condições de aceitar essa realidade, tudo poderia parecer muito fofo no começo, mas quem garantiria que seria uma boa mãe? Isso implicaria ser mais do que a pessoa que dá a luz, mas a pessoa que ama o filho mais do que a si mesmo. Não, não estava preparada. O desespero foi tomando conta da cabeça da garota novamente, sentiu um nó na garganta, sua decisão estava tomada. Tinha que decidir-se rápido e acabara de fazê-lo. Abriu a caixinha metálica e, rapidamente, sem nem mesmo pensar novamente engoliu uma das pílulas do dia seguinte. Fazia somente 3 dias desde o ocorrido, "haveria de funcionar", pensou.

Nuvens de insanidade tomaram conta de sua visão, Mel deitou-se de costas no chão do depósito, não estava se sentindo bem. Tentou pensar em algo bom e sua cabeça voltou 3 dias, dias estes que, naquele momento, pareciam séculos atrás.

Lembrou-se de como estava em um jantar oferecido pela Família Medeiros, a família de Vicky, sua melhor amiga. Todos estavam muito entretidos festejando a prosperidade de um novo empreendimento do banco do Sr. Medeiros. A casa de campo da família estava toda decorada, disposta a oferecer aos convidados uma idéia de luxo e, ao mesmo tempo, felicidade. Estavam todos muito ocupados naquele baile de máscaras. Mel sentiu-se sozinha, Vicky estava ocupada demais com Kadu, sabe-se lá fazendo o quê, e não havia ninguém mais jovial para conversar. Decidiu dar um passeio pela mansão, que mais parecia uma mistura de casa de novela com um sítio qualquer. Andou perto da beirada da piscina, vislumbrou o reflexo da lua na água. Ouviu um barulho.

Mellanie olhou para os lados, com medo de que a tivessem visto fugindo da comemoração, não viu ninguém. Percebeu que o barulho vinha da casa de hóspedes no fundo do jardim. Andou vários metros, seguindo a música. Uma luz interrompia a escuridão da noite. Ela se aproximou da varanda iluminada e ficou observando Rafael tocar o violão, sentado no mármore do piso. Ele apoiava o violão em uma das pernas e tinha um pedaço de papel na outra mão. Visivelmente, estava tendo dificuldades para compôr. O vento balançou seus cabelos e fez com que o papel saísse de suas mãos. Rafa olhou para cima e praguejou alto. Desistira. Agora estava tocando uma música conhecida... Por coincidência, uma das que os dois ouviram juntos no aparelho se som do ateliê, quase um ano atrás, no dia da detenção. A garota acompanhou a melodia, ainda espiando escondida atrás de uma pilastra. Começou a cantar.

- When the night has come / Quando já anoiteceu

and the land is dark / E a terra está escura

and the moon is the only light we see / E a Lua é a única luz que vemos

No I won't be afraid, no I won't be afraid / Não, eu não terei medo. Não terei medo

Just as long as you stand by me / Contando que você esteja do meu lado

- And darling darling stand by me! / E amor, amor, fique do meu lado - Rafa começou a cantar também enquanto observava ela sentar-se do seu lado. Abriu um sorriso. E continuaram os dois, fazendo parte do dueto. A música terminou. Ele soltou o violão e não disse nada, continuou a encarar o reflexo da Lua nos olhos verdes da garota. E foi nesses dois segundos de distração que a coisa levou a um caminho que não deveria ser tomado.

Os lábios dos dois entrelaçaram-se na varanda, Rafa puxou-a mais para perto, com toda a paixão reprimida, a proximidade nunca era o bastante. Ela sentou-se no seu colo, amarrando os joelhos no quadril do rapaz, beijava-o intensamente enquanto puxava seus cabelos loiros. Levantaram-se lentamente, sem conseguir se soltarem um do outro. Rafa a pressionou contra a parede, segurou sua cintura com uma das mãos fortes e, com a outra, puxou a maçaneta da porta da casa de hóspedes. Estava destrancada.

Ele segurou-a em seus braços, sem interromper o beijo e jogou-a na cama de lençóis de cetim. Mel separou os lábios, empurrou-o para trás e começou a, lentamente, desabotoar a camiseta enquanto olhava-o fixamente. Ele imitou-a. Retirou a camiseta devagar, deixando os músculos, resultados de horas de treino no time de basquete, a mostra. Não aguentou mais esperar, beijou-a profundamente e tirou os resto de suas roupas. A pele branca da garota brilhou intensamente com o reflexo da luz que vinha da janela grande, ao lado da cama. Ela não era experiente naquilo, mas seus instintos fizeram-na beijar a barriga dele, enquanto suas mãos abriam o zíper da calça jeans que ele usava. Ouviu-o ofegar.

Rafa segurou-a pela cintura novamente e pôs-se em cima dela, olhou-a nos olhos novamente e investiu contra seu corpo, ela gemeu. Ele acelerou a velocidade dos movimentos e percebeu que ela também mexia os quadris, não satisfeita. Beijou o pescoço dela com força, sentiu-a puxando seus cabelos. Mel segurou-se para não gritar, não poderiam ser descobertos... Mas a cada segundo, estava ficando mais difícil manter o silêncio. Arqueou a coluna, tentando se conter, colocou a cabeça para trás e deu um grito silencioso enquanto uma onda fortíssima se arrastava por todo o seu corpo. Naquele momento, até mesmo respirar era uma tarefa árdua.

O garoto gemia baixo acompanhando a respiração rápida e descompassada, olhou a feição da amante, que se contorcia na cama, apertando os lençóis com toda a força. Olhou-a nos olhos, sem parar o movimento que desenvolvia lá embaixo, franziu as sobrancelhas e juntou todas as forças que pôde para dizer:

- Eu te amo.

Mel não conseguiu mais aguentar, a onda intensa que se passava por todo o seu corpo, estava a deixando quase a ponto de perder a consciência. Gritou rapidamente enquanto um sentimento de êxtase a acompanhava. Ao mesmo tempo, sentiu algo quente dentro de si, Rafa também tinha chegado lá.

E, aquilo que parecia ter sido o paraíso há 3 dias, agora, era motivo de lágrimas silenciosas no chão do depósito do ateliê.

~ Ѽ ~

- Veio aqui se pegar com o mauricinho? Se quiser, eu saio. - Alex perguntou, rispidamente, olhando para a figura feminina de cabelos louros e bolsa Gucci, parada, na entrada do beco.

- Não. Estava procurando um lugar pra refletir. - Vicky sentou-se do lado dele, de costas para a parede desgastada do beco ao lado do colégio. - Às vezes eu venho aqui pra, sabe, tentar escapar de tudo aquilo. - Acenou em direção a instituição, filial de uma rede de colégios estrangeiros.

- Hum. - Respondeu ele, encarando o chão. Os cabelos caindo pelo rosto.

- E você? O que faz aqui? - O que Vicky tinha de bonita, tinha de insistente. E de tagarela.

- Nada. - Ela observou que ele segurava um papel e uma caneta. Fez cara de susto.

- Você está se escondendo! - Riu alto. - Quem diria, o virtuoso, grande e cheio de princípios Alex, está no beco se escondendo de um bando de pattys! - Continuou a rir.

- Não estou não! - Agora ele olhava para ela, aborrecido.

- E ainda está escrevendo uma carta pro papai! Que gracinha! - Retirou o papel e a caneta das mãos dele, que tentou mover-se rapidamente para impedí-la, mas foi tarde demais. - "Querido papai, mesmo o senhor sendo um velho bundão sem nenhum senso de moda - ela começava a escrever no papel - devo dizer que ainda estou profundamente revoltado porque não ganhei meu pônei na infância." - Alex tentou tirar o papel das mãos dela, mas ela se levantou e apoiou-se na parede, desviando-se dele para continuar a escrever a carta. - "E mais, ainda exijo todo o tempo em que o senhor não pôde ficar comigo tomando Toddynho vendo as meninas super-poderosas na televisão para ficar roubando os pobres para engordar o bolso dos ricos, fazendo uma imitação muito vagabunda do Robin Hood moderno!"- Alex tentava de todas as formas tirar o papel das mãos da garota, mas não pôde conter o riso. - "Mas no fundo, papito, eu te perdôo porque sei que isso tudo é devido a sua frustrante impotência sexual, que te deixa tão ranzinza quanto a Paris Hilton quando descobre que engordou 500 gramas." - Alex segurou forte em uma das mãos de Vicky e tentava segurar a outra, em que estava a caneta, com a outra mão. Ela fazia movimentos em círculo para desviar-se. No fim, ele conseguiu prender os dois pulsos e pressioná-la contra a parede. Se encararam friamente. Logo após um segundo começaram a rir.

- Ei! - Manifestou a garota, livrando os pulsos e sentando-se novamente. - Por que está rindo? Tenho certeza que a minha carta ficou muito melhor que a sua!

- Tenho que admitir que essa foi boa, meu pai, certamente, ficaria furioso comigo. - Sentou-se e olhou para ela por um instante. - Pensaria que sou gay! - Deu risadas da cara de brava dela. Alex reparou em como ela fazia uma carinha graciosa quando ficava nervosa. - Ah! Fala sério! Meninas super-poderosas? Paris Hilton? - Desatou a rir novamente, ela o acompanhou. dobrou o papel cuidadosamente e estendeu as mãos.

- Guarde. Tenho certeza que isso vai sensibilizar seu pai.

- Sem dúvida alguma. - Ele disse, cordialmente, pegando o papel e guardando-o no bolso.

- E então? Vai me dizer porque está aqui? Ou vou ter que te escrever uma carta também? - Ele sorriu.

- Estou pensando em como surgiram os boatos... Não são verdades, sabe...

- É lógico - e ressaltou bem essa palavra - que veio da TPM.

- TPM?

- Taradas Pistoleiras e Muambeiras. - Ele olhou ainda sem entender. Vicky balançou a cabeça como se fosse óbvio. - Estou falando da Mandy, Jacky e Bianca! Mas é mais provável que, desta vez, tenha sido a Bianca, o pai dela que é da polícia e tal... Mas e o que te importa?

- Como assim? Além do fato disso ser uma mentira grandiosa, uma realidade totalmente distorcida?

- Sim, ué. - Novamente ele não entendeu. Vicky balançou a cabeça novamente, como se fosse um gênio incompreendido. - Será que tenho que te explicar tudo? Alex, você vai ligar para o que aquelas pattys de brechó falam? Aliás, regurgitam? Você sabe a verdade, a idiotinha do vidro sabe a verdade e esse tipo de coisa tem investigação policial, não é porque uma Barbie falsificada espalha para o colégio inteiro que se torna verdade universal.

- Acho que seu único neurônio finalmente funcionou. - Disse ele com uma risada maliciosa, observando as sobrancelhas dela ficarem ameaçadoras na face irritada.

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- Bom, quero que você volte aqui amanhã para acompanharmos você mais de perto.

- Mas o Dr. disse que eu estava bem! - Protestou Milla, ainda enjoada.

- Temos que ver esse problema da sua falha de memória, é algo bem comum quando se bate a cabeça, mas também pode indicar um quadro mais grave. - Ela abriu a boca para reclamar. - Não discuta, são procedimentos de praxe. Regras são regras. - Disse o enfermeiro magricela, que certamente estava tendo um mau dia.

Camilla afastou-se dele e da prancheta e aproximou-se da janela do quarto em que estava. Já tinha vestido suas roupas e arrumado suas coisas. Perguntou por Alex e lhe disseram que ele teve de ir para o colégio. Já era quase hora do almoço, se estivesse certa, ele iria vê-la assim que saísse de lá. Observou os carros que passavam na rua, procurou a moto vermelha. Não estava lá. Esperou por mais algum tempo antes de perceber que estava passando muito mal, ficou tonta. Estremeceu. Fez menção de desmaiar, a dor de cabeça era muito forte. Provavelmente, era por causa da batida. O enfermeiro segurou o braço dela e guiou-a até a cama do quarto.

- Vertigens. - Disse. - É, também, algo normal no seu caso. É melhor ficar paradinha, vou contactar seus pais. - E saiu, antes que ela pudesse proibí-lo de fazer tal coisa.

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Bianca ouviu ruídos, eram vozes vindas da sala de jantar. Já era tarde e todos achavam que estava dormindo. Abriu a porta vagarosamente e espiou o corredor. Ficou atenta a voz de uma mulher, desesperada, soluçando.

- O que vamos fazer agora, Nero? – A voz fina soava familiar.

- Acalme-se, Marta. Sabe como nossa família sempre manteve laços de amizade com a sua.

- Desde que o pai da Amanda se foi, você sabe que as coisas têm piorado para nós!

- Vamos dar um jeito. Sofie e eu vamos fazer o que for necessário para que você e Mandy fiquem bem. – Bianca ouviu a voz calma do pai.

- Mandy nunca vai aceitar isso! – A mulher soluçou ainda mais alto.

- Então ainda não contou para ela?

- Nero... – começou a mulher, com a voz forte – como espera que eu conte para a minha filha, que sempre teve tudo do bom e do melhor, que estamos falidas?

Bianca ouviu o suficiente para fechar a porta e conseguir dormir com os anjos.
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