Ѽ Capítulo 5: Vertigens
Posted- O que você está fazendo mexendo nas minhas coisas? – Mellanie gritou, desesperada, enquanto se dirigiu para onde a garota estava, triunfante, segurando uma das pílulas.
- Quem é o pai? – Bianca esganiçou, com os olhos negros brilhando e ignorou a raiva da outra.
- Saia já daqui! – Mellanie gritou mais ainda, tirando a pílula à força da mão de Bianca, guardando dentro da caixinha metálica e enfiou tudo na mochila. Suas coisas caíram no trajeto devido à tremedeira das suas mãos. A raiva espumava dentro de seu corpo. O que iria fazer agora? Tinha que evitar de todo o jeito, deveria impedir Bianca de contar qualquer coisa. Estaria perdida se os outros soubessem. Sua mãe nunca iria aceitar uma filha grávida aos 16 anos, seria excluída na escola, teria que interromper os estudos e ele... talvez decidisse, simplesmente, ignorar o filho. E isso não era o pior...
- Eu perguntei quem é o pai, Melzinha! – Bianca sorriu maldosamente – Quem foi que teve a coragem de engravidar uma pseudo-gótica suja como você?
- Cale a boca! – Mellanie perdeu o senso do que era aceitável e o que era digno de expulsão dentro do colégio, avançou em Bianca. Perdeu a cabeça. Não estava raciocinando, não estava pensando. Mellanie, definitivamente, não era uma garota violenta, não tinha qualquer intenção de machucar os outros, mas viu-se, ali, apertando as mãos no pescoço da colega de turma.
Bianca arregalou os olhos, não esperava essa reação da doce garota de olhos quentes e esverdeados. Caiu sobre uma das mesas do ateliê, tentou soltar as mãos de Mel do seu pescoço, já estava ficando sem ar, mas não conseguia. Mellanie agarrou a outra como se dependesse daquilo para viver. Muitos de nós parecemos calmos, serenos e doces, isso, até alguém descobrir um segredo que pode acabar com você. Não, Mellanie não estava preocupada com o que os outros iriam pensar, na verdade, isso era o de menos. O problema é que, dizer em voz alta fazia daquilo uma verdade irreversível, algo que não poderia mais ser escondido... dela mesma. E, pior, dizer a verdade em voz alta implicava, não somente ter que dá-la como um fato, mas também, ter que lidar com ela. Mellanie ainda não decidira o que fazer e era exatamente esse o motivo de estar carregando aquelas pílulas na mochila...
De repente, algo fez Mel acordar, um estalo de consciência antes de um momento que seria decisivo para o desfecho de sua vida dali para frente. Se a gravidez já estava a fazendo equilibrar-se em um muro que separa a clareza da insanidade, como poderia conviver consigo mesma se, além de grávida, fosse uma assassina? “Ela ainda vai acabar com você”, sussurrou uma voz doce dentro de sua cabeça que Mellanie reconheceu como sendo a sua própria. Resolveu ignorá-la e soltou as mãos. Bianca fez força para respirar, ainda estava em choque. Mel afastou-se dela, esparramada no chão do ateliê ao lado de uma mesa caída, e caminhou lentamente até a pia onde se lavavam os pincéis. Abriu a torneira, molhou o rosto. Depois apoiou as duas mãos sobre o granito e deixou a cabeça pender para baixo. Fora por pouco. Estaria ela beirando a loucura?
Bianca levantou-se, passou as mãos sobre o pescoço onde, anteriormente, estavam cravadas as unhas de Mel.Sentou-se em uma das cadeiras.
- Você sabe que posso ferrar você de verdade por causa disso, não sabe? – Disse seriamente.
- O que você quer? – Mel resmungou, ainda olhando pra baixo com as mãos apoiadas na pedra fria.
- Quero saber quem é o pai.
- E o que isso te interessa? – Perguntou a garota, ainda não conseguindo encará-la. Estava tentando convencer Bianca de que essa informação não era nem um pouco relevante. Mel sabia, contudo, que a negra deslumbrante adorava uma fofoca. Tinha a necessidade de saber da vida alheia da mesma maneira que tinha a necessidade de respirar.
- Acho que todos vão gostar de saber como arrumei essas marcas na garganta. – Sorriu ela em resposta, já se controlando do susto.
- Não vão acreditar em você. Todos sabem que você não passa de uma fofoqueira, inventa qualquer boato para poder se promover...
- Ah não? – Ela sorriu maliciosamente – Ah não? Acha mesmo que ninguém sabe que estou de detenção? Acha que o diretor não escreveu por escrito que você deveria me orientar aqui nesta sala, exatamente neste horário? Acha que meu pai, funcionário de alto escalão da polícia, não vai gostar de te colocar na prisão por tentativa de homicídio, Melzinha? Acho que todos vão gostar de saber da história da grávida assassina...
- Já mandei calar a boca! – Mel gritou novamente, mas agora olhando para ela, cheia de raiva. Bianca nem se importou.
- Bem que a Mandy comentou comigo que havia percebido você com uma caixinha diferente... Disse para ela que eram balas, não foi? – Bianca riu. – Sorte que ela é tão ingênua quanto o Sol é minúsculo. Quem diria... Pílulas do dia seguinte... Então, está pensando mesmo em matar seu feto ou já o fez? – Mellanie se aproximou novamente, Bianca afastou-se com cautela com medo de um novo ataque.
- Bianca, você não pode dizer isso pra Mandy, ouviu? Não pode! – Ela arregalou os olhos, deixando o desespero fluir. Bianca franziu o cenho.
- E por que não? – Mel não respondeu. Não deveria ter dito isso. Bianca girou os olhos e se concentrou, tentando resolver o dilema. De repente, uma lâmpada acendeu em sua cabeça. – Por que será que Melzinha não quer que eu conte para a Mandy? Será que é porque a Mandy, certamente, vai contar para a Jacky que, por sua vez, é namorada do Rafa? – Bingo!
- O Rafa não tem nada a ver com isso! – Tentou mentir, mas, na condição em que estava, a mentira foi tão visível quanto luzes na escuridão.
- Então ele não sabe que é o pai? – Tarde demais para disfarçar...
- Já perdi minha paciência com você, Bianca! Some da minha frente! – Mel urrou, a calma descendo ladeira abaixo.
- Estou de detenção, esqueceu?
- Eu escrevo uma carta pro diretor te livrando dela, some! – Abriu a porta do ateliê e observou a garota vestir o casaco, e se certificar que as marcas no pescoço estavam bem escondidas, e ir em direção a porta.
- Era isso mesmo que eu queria. – E foi voltando-se para o corredor, mas, como que se tivesse esquecido algo, apareceu novamente. – Ah! E, não esqueça, você está em minhas mãos.
~ Ѽ ~
- Por que não?
- Porque não vai dar, Jack... Já te expliquei isso!
- Mas eu não entendo! Por que não quer ficar comigo?
- Não é isso, Jack! Você não entende mesmo as coisas! Sempre tem que ser tudo do jeito que você quer! Já disse que não posso!
- E por quê?
- Vou estar com o time de basquete. Já te disse isso! – Rafa já estava perdendo a paciência com a insistência da namorada.
- Essa porcaria de time! Toda vez te tira de mim! – Tentou pegar nas mãos dele, mas ele retirou as mãos de onde estavam e alisou os cabelos.
- Jack, assim não está dando.
- O que quer dizer? – Ela olhou fixamente para ele, realmente não entendendo o que ele queria dizer.
- Eu não sou seu Poodle!
- Claro que não, amor! Poodle é cachorro popular! Você é meu Pug! – Colocou os braços ao redor do pescoço dele e tentou beijá-lo, mas ele afastou-a com cautela.
- É exatamente disso que estou falando. – Disse sério. – Eu não sou propriedade sua. – A garota olhou assustada para o rapaz loiro e atlético, estava esperando o pior. – Acho que devíamos dar um tempo.
- Rafa, diz que você está brincando, bebê! – Jacky descontrolou-se, estava visivelmente abalada com o fim do relacionamento. Ela que adorava tanto namorar o jogador de basquete mais famoso do Marine High e gostava de exibi-lo como se fosse propriedade, pegou-se cheia de sentimentos por ele. Não entendia como uma briga estúpida poderia acabar com tudo desse jeito. Pobrezinha, mal sabia ela que Rafa era, praticamente, uma abelha à procura de algo mais doce, algo doce como mel...
- Jacky, a gente não dá certo. Nossos pais nos apresentaram e ficaram felizes com a nossa união, mas não vejo motivos em continuar se a gente não se gosta.
- Eu amo você! – Ela colocou as mãos sobre as orelhas do rapaz e olhou fixamente em seus olhos. – Ouviu? Eu amo você!
Ele retirou as mãos dela com cuidado e disse baixinho:
- Até mais, Jack.
E saiu, não só partindo um coração que, aos olhos dos outros, parecia frio como gelo, mas, também, entornando o cálice do botulismo.
~ Ѽ ~
- Quero pedir desculpas pelo adiamento do nosso almoço, ontem estive realmente ocupado.
- Tudo bem, papai. – Kadu disse, tentando mostrar entusiasmo no restaurante lotado. – O que tinha a nos comunicar?
- Bem... – Roberto olhou para a esposa sorrindo, preparando-a para dar a boa notícia. – Adquiri um ranário!
- Um o quê? – Kadu perguntou, meio desconcertado. Teria esperado qualquer loucura do pai, menos um aquário gigante para anfíbios. De fato, ele sempre inventava alguma
maluquice a fim de passar o tempo, visto que não fazia nada da vida e só tinha dinheiro pelo fato de ter se casado com a filha de um grande empresário. Esses negócios dele não passavam de puro capricho, bancado com o dinheiro da esposa, claro.
- Um ranário! É genial, filho! O consumo de rãs vem aumentando muito nestes últimos tempos! E eu sempre tive vontade de fazer algo que envolvesse culinária.
- Mas isso não tem nada a ver com culinária!
- Claro que tem, filho! – Falou o homem, animado. – As rãs vão ser vendidas para grandes cadeias de restaurantes de luxo.
- Tá, só espero que não termine como aquela sua outra grande idéia da loja de esquis.
- Amor, seu pai precisa de apoio. Seja bonzinho, Carlos. – A mãe virou-se para o filho gentilmente.
- Eu não poderia saber que o empreendimento do esqui daria tão errado, meu filho!
- Ah claro, porque muita gente no Rio compraria esquis. Do jeito que aqui neva, seria quase como os Alpes suíços. – Kadu disse baixinho, tentando não causar maiores complicações. Não era revoltado e não tinha motivos para entrar em conflito com a família. Aliás, não estava nem ligando. “Fodam-se as rãs”, pensou “Rã boa é rã na panela”. E pôs fim nas preliminares de uma discussão em pleno almoço.
~ Ѽ ~
- Ora ora ora, olha só quem teve a cara lavada de aparecer aqui na instituição novamente! – Ouviu-se o comentário em alto volume de Jaqueline Deville, sentada em uma das mesas da cafeteria do colégio, na manhã seguinte.
Todos pararam de conversar instantaneamente e voltaram-se para a porta onde visualizaram Alex, com a aparência de quem havia sido atropelado logo cedo.
Seus cabelos negros estavam caídos sobre o rosto pálido, tampando ligeiramente as olheiras bastante profundas que se apoderavam de sua face bonita. Carregava a mochila em um só ombro e fez questão de ignorar o comentário da patricinha. Foi passando vagarosamente por entre os alunos que estavam no pátio esperando o início das aulas daquela manhã. Teve que fazer mais esforço ainda para ignorar os comentários que vinham dos “paus mandados”, nenhum deles falou diretamente com Alex. Na certa, estavam com medo de serem as próximas “vítimas”, mas também não faziam esforço algum para diminuir o volume das críticas.
- Assassino, é isso que ele é. – Disse uma das vozes que vinham da multidão.
- Você acha mesmo que ele matou aquela garota? – Comentou uma garota do primeiro ano com a pessoa do lado.
- Como vou saber? Ouvi dizer que está no hospital até agora!
- Que maníaco! Isso é falta de limites!
- Sempre desconfiei que era drogado. – Acusou um desconhecido para um dos amigos parados, em pé, ao seu lado.
- Ele usa drogas?
- No mínimo! Olha para as roupas dele, provavelmente ele cheira até talco.
- Essa pose de idealista nunca me enganou. – Deixou claro uma garota que tomava a lição de fisico-química com o garoto.
- Pobre menina, aceitou uma carona para casa e acabou sendo estuprada e jogada morro abaixo.
Esse último comentário surpreendeu Alex. Ele teve vontade de parar para quebrar a cara do imbecil que se atreveu a suspeitar de seus valores morais e éticos, mas isso o deixara tão surpreso que ficou incapaz de agir. É lógico que já sabia que as pessoas o taxavam de assassino, mas essa história do estupro ultrapassou todos os limites. Alex não sabia quem inventara esse boato ridículo, mas jurou a si mesmo que a vingança seria cravada como espada em pedra.
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Mel sentou-se no depósito do ateliê, estava mais calma agora. Poderia pensar com clareza o que deveria fazer. Obviamente, a situação estava indo de mal a pior, mas teria que arranjar um jeito de sair perdendo o mínimo possível. "Dentre os males, o menor" constatou.
Ficou muito tempo trancada na pequena sala pensando as possibilidades. O que seria pior? Mandy ficar sabendo de tudo pela Bianca e depois contar a Jacky que saberia na hora que havia sido traída na cara dura. "Isso seria divertido", pensou. Ver a cara furiosa de Jacky frente à traição definitivamente era um ponto a favor desse plano. Por outro lado, Rafa também ficaria sabendo do filho e a verdade era que Mel não tinha a mínima idéia de como ele reagiria.
Rafa era um cara bem reservado, muito músculo, pouca fala. Era difícil saber o que ele estava pensando, já que tentava manter sempre a mesma expressão impenetrável e forte, artilheiro do time de basquete, tricampeão estadual de natação, mas nunca um sentimental. Contudo, toda vez que estava ao lado de Mel, sua personalidade mudava completamente. Passava de forte e definido para derretido e sorridente. Ela lembou-se de como se conheceram, um ano atrás.
Era novata no Marine High e todos lhe deram boas-vindas, com exceção do Rafael que fazia questão de fechar a expressão facial a cada vez que ela passava, tentando não ceder a algo que estava queimando por dentro. Mel teve, por muito tempo, medo dele. Sempre frio e impassível, exatamente o contrário de uma artista, como ela. Certo dia, o garoto pegou detenção por quebrar um dos vidros do colégio utilizando uma pedra e teve de cumprir um trabalho ali no departamento de artes, justamente o mesmo que dera um desfecho tão trágico a essa história. Foi então que os dois pegaram-se sozinhos dentro da sala.
O garoto forte e louro tentou, com todas as forças que possuía, continuar distante, um mecanismo de auto-defesa natural, mas viu que aquilo era bem mais forte que qualquer força física. Foi aí que ela percebeu que ele não era nada daquilo que tentava mostrar. Ele até sabia tocar violão e compunha as próprias músicas, ela mostrou seus desenhos, aqueles que nunca mostrava para ninguém, mas ele não era ninguém. Certamente, ele era alguma coisa. Deram certo como nunca tinham visto antes, eram a peça que faltava no quebra-cabeça do outro. Isso até o momento em que uma peça maior e mais cara entrou na jogada. Pobre Melzinha, lembro-me quando descobriu que Rafa era namorado de Jaqueline Deville, uma forte candidata a pessoa mais intragável do Rio de Janeiro, ficou devastada. Um jardim sem flores.
Mel sorriu, era bom recuperar algumas lembranças, talvez Rafa gostasse da notícia. Já havia dito que a amava como nunca amara alguém antes, que seria capaz de fazer qualquer coisa por ela. Essa era uma ótima oportunidade para saber se ele estava mesmo falando sério. Se a amasse mesmo, não a deixaria com um filho. Mel balançou a cabeça como se estivesse espantando uma mosca que pairava no ar. Não poderia usar o filho como objeto, era uma pessoa, não um jogo anti-mentiras. E, afinal, no que diabos estava pensando? Mesmo se Rafa, completamente bipolar e imprevisível, gostasse da idéia do bebê que estava se formando dentro dela, o que iria fazer? Iria ter um filho aos 16 anos? Iria criá-lo? Iria educá-lo? Tinha certeza de que a criança nunca passaria fome, sua família era abastada. Mas uma criança não vive só de bens materiais. Quem iria ensiná-lo a andar? A falar? E, mais importante de tudo, quem iria ensiná-lo sobre valores éticos, sobre como ser um bom cidadão, uma boa pessoa? Quem?
Mel não tinha condições de aceitar essa realidade, tudo poderia parecer muito fofo no começo, mas quem garantiria que seria uma boa mãe? Isso implicaria ser mais do que a pessoa que dá a luz, mas a pessoa que ama o filho mais do que a si mesmo. Não, não estava preparada. O desespero foi tomando conta da cabeça da garota novamente, sentiu um nó na garganta, sua decisão estava tomada. Tinha que decidir-se rápido e acabara de fazê-lo. Abriu a caixinha metálica e, rapidamente, sem nem mesmo pensar novamente engoliu uma das pílulas do dia seguinte. Fazia somente 3 dias desde o ocorrido, "haveria de funcionar", pensou.
Nuvens de insanidade tomaram conta de sua visão, Mel deitou-se de costas no chão do depósito, não estava se sentindo bem. Tentou pensar em algo bom e sua cabeça voltou 3 dias, dias estes que, naquele momento, pareciam séculos atrás.
Lembrou-se de como estava em um jantar oferecido pela Família Medeiros, a família de Vicky, sua melhor amiga. Todos estavam muito entretidos festejando a prosperidade de um novo empreendimento do banco do Sr. Medeiros. A casa de campo da família estava toda decorada, disposta a oferecer aos convidados uma idéia de luxo e, ao mesmo tempo, felicidade. Estavam todos muito ocupados naquele baile de máscaras. Mel sentiu-se sozinha, Vicky estava ocupada demais com Kadu, sabe-se lá fazendo o quê, e não havia ninguém mais jovial para conversar. Decidiu dar um passeio pela mansão, que mais parecia uma mistura de casa de novela com um sítio qualquer. Andou perto da beirada da piscina, vislumbrou o reflexo da lua na água. Ouviu um barulho.
Mellanie olhou para os lados, com medo de que a tivessem visto fugindo da comemoração, não viu ninguém. Percebeu que o barulho vinha da casa de hóspedes no fundo do jardim. Andou vários metros, seguindo a música. Uma luz interrompia a escuridão da noite. Ela se aproximou da varanda iluminada e ficou observando Rafael tocar o violão, sentado no mármore do piso. Ele apoiava o violão em uma das pernas e tinha um pedaço de papel na outra mão. Visivelmente, estava tendo dificuldades para compôr. O vento balançou seus cabelos e fez com que o papel saísse de suas mãos. Rafa olhou para cima e praguejou alto. Desistira. Agora estava tocando uma música conhecida... Por coincidência, uma das que os dois ouviram juntos no aparelho se som do ateliê, quase um ano atrás, no dia da detenção. A garota acompanhou a melodia, ainda espiando escondida atrás de uma pilastra. Começou a cantar.
- When the night has come / Quando já anoiteceu
and the land is dark / E a terra está escura
and the moon is the only light we see / E a Lua é a única luz que vemos
No I won't be afraid, no I won't be afraid / Não, eu não terei medo. Não terei medo
Just as long as you stand by me / Contando que você esteja do meu lado
- And darling darling stand by me! / E amor, amor, fique do meu lado - Rafa começou a cantar também enquanto observava ela sentar-se do seu lado. Abriu um sorriso. E continuaram os dois, fazendo parte do dueto. A música terminou. Ele soltou o violão e não disse nada, continuou a encarar o reflexo da Lua nos olhos verdes da garota. E foi nesses dois segundos de distração que a coisa levou a um caminho que não deveria ser tomado.
Os lábios dos dois entrelaçaram-se na varanda, Rafa puxou-a mais para perto, com toda a paixão reprimida, a proximidade nunca era o bastante. Ela sentou-se no seu colo, amarrando os joelhos no quadril do rapaz, beijava-o intensamente enquanto puxava seus cabelos loiros. Levantaram-se lentamente, sem conseguir se soltarem um do outro. Rafa a pressionou contra a parede, segurou sua cintura com uma das mãos fortes e, com a outra, puxou a maçaneta da porta da casa de hóspedes. Estava destrancada.
Ele segurou-a em seus braços, sem interromper o beijo e jogou-a na cama de lençóis de cetim. Mel separou os lábios, empurrou-o para trás e começou a, lentamente, desabotoar a camiseta enquanto olhava-o fixamente. Ele imitou-a. Retirou a camiseta devagar, deixando os músculos, resultados de horas de treino no time de basquete, a mostra. Não aguentou mais esperar, beijou-a profundamente e tirou os resto de suas roupas. A pele branca da garota brilhou intensamente com o reflexo da luz que vinha da janela grande, ao lado da cama. Ela não era experiente naquilo, mas seus instintos fizeram-na beijar a barriga dele, enquanto suas mãos abriam o zíper da calça jeans que ele usava. Ouviu-o ofegar.
Rafa segurou-a pela cintura novamente e pôs-se em cima dela, olhou-a nos olhos novamente e investiu contra seu corpo, ela gemeu. Ele acelerou a velocidade dos movimentos e percebeu que ela também mexia os quadris, não satisfeita. Beijou o pescoço dela com força, sentiu-a puxando seus cabelos. Mel segurou-se para não gritar, não poderiam ser descobertos... Mas a cada segundo, estava ficando mais difícil manter o silêncio. Arqueou a coluna, tentando se conter, colocou a cabeça para trás e deu um grito silencioso enquanto uma onda fortíssima se arrastava por todo o seu corpo. Naquele momento, até mesmo respirar era uma tarefa árdua.
O garoto gemia baixo acompanhando a respiração rápida e descompassada, olhou a feição da amante, que se contorcia na cama, apertando os lençóis com toda a força. Olhou-a nos olhos, sem parar o movimento que desenvolvia lá embaixo, franziu as sobrancelhas e juntou todas as forças que pôde para dizer:
- Eu te amo.
Mel não conseguiu mais aguentar, a onda intensa que se passava por todo o seu corpo, estava a deixando quase a ponto de perder a consciência. Gritou rapidamente enquanto um sentimento de êxtase a acompanhava. Ao mesmo tempo, sentiu algo quente dentro de si, Rafa também tinha chegado lá.
E, aquilo que parecia ter sido o paraíso há 3 dias, agora, era motivo de lágrimas silenciosas no chão do depósito do ateliê.
~ Ѽ ~
- Veio aqui se pegar com o mauricinho? Se quiser, eu saio. - Alex perguntou, rispidamente, olhando para a figura feminina de cabelos louros e bolsa Gucci, parada, na entrada do beco.
- Não. Estava procurando um lugar pra refletir. - Vicky sentou-se do lado dele, de costas para a parede desgastada do beco ao lado do colégio. - Às vezes eu venho aqui pra, sabe, tentar escapar de tudo aquilo. - Acenou em direção a instituição, filial de uma rede de colégios estrangeiros.
- Hum. - Respondeu ele, encarando o chão. Os cabelos caindo pelo rosto.
- E você? O que faz aqui? - O que Vicky tinha de bonita, tinha de insistente. E de tagarela.
- Nada. - Ela observou que ele segurava um papel e uma caneta. Fez cara de susto.
- Você está se escondendo! - Riu alto. - Quem diria, o virtuoso, grande e cheio de princípios Alex, está no beco se escondendo de um bando de pattys! - Continuou a rir.
- Não estou não! - Agora ele olhava para ela, aborrecido.
- E ainda está escrevendo uma carta pro papai! Que gracinha! - Retirou o papel e a caneta das mãos dele, que tentou mover-se rapidamente para impedí-la, mas foi tarde demais. - "Querido papai, mesmo o senhor sendo um velho bundão sem nenhum senso de moda - ela começava a escrever no papel - devo dizer que ainda estou profundamente revoltado porque não ganhei meu pônei na infância." - Alex tentou tirar o papel das mãos dela, mas ela se levantou e apoiou-se na parede, desviando-se dele para continuar a escrever a carta. - "E mais, ainda exijo todo o tempo em que o senhor não pôde ficar comigo tomando Toddynho vendo as meninas super-poderosas na televisão para ficar roubando os pobres para engordar o bolso dos ricos, fazendo uma imitação muito vagabunda do Robin Hood moderno!"- Alex tentava de todas as formas tirar o papel das mãos da garota, mas não pôde conter o riso. - "Mas no fundo, papito, eu te perdôo porque sei que isso tudo é devido a sua frustrante impotência sexual, que te deixa tão ranzinza quanto a Paris Hilton quando descobre que engordou 500 gramas." - Alex segurou forte em uma das mãos de Vicky e tentava segurar a outra, em que estava a caneta, com a outra mão. Ela fazia movimentos em círculo para desviar-se. No fim, ele conseguiu prender os dois pulsos e pressioná-la contra a parede. Se encararam friamente. Logo após um segundo começaram a rir.
- Ei! - Manifestou a garota, livrando os pulsos e sentando-se novamente. - Por que está rindo? Tenho certeza que a minha carta ficou muito melhor que a sua!
- Tenho que admitir que essa foi boa, meu pai, certamente, ficaria furioso comigo. - Sentou-se e olhou para ela por um instante. - Pensaria que sou gay! - Deu risadas da cara de brava dela. Alex reparou em como ela fazia uma carinha graciosa quando ficava nervosa. - Ah! Fala sério! Meninas super-poderosas? Paris Hilton? - Desatou a rir novamente, ela o acompanhou. dobrou o papel cuidadosamente e estendeu as mãos.
- Guarde. Tenho certeza que isso vai sensibilizar seu pai.
- Sem dúvida alguma. - Ele disse, cordialmente, pegando o papel e guardando-o no bolso.
- E então? Vai me dizer porque está aqui? Ou vou ter que te escrever uma carta também? - Ele sorriu.
- Estou pensando em como surgiram os boatos... Não são verdades, sabe...
- É lógico - e ressaltou bem essa palavra - que veio da TPM.
- TPM?
- Taradas Pistoleiras e Muambeiras. - Ele olhou ainda sem entender. Vicky balançou a cabeça como se fosse óbvio. - Estou falando da Mandy, Jacky e Bianca! Mas é mais provável que, desta vez, tenha sido a Bianca, o pai dela que é da polícia e tal... Mas e o que te importa?
- Como assim? Além do fato disso ser uma mentira grandiosa, uma realidade totalmente distorcida?
- Sim, ué. - Novamente ele não entendeu. Vicky balançou a cabeça novamente, como se fosse um gênio incompreendido. - Será que tenho que te explicar tudo? Alex, você vai ligar para o que aquelas pattys de brechó falam? Aliás, regurgitam? Você sabe a verdade, a idiotinha do vidro sabe a verdade e esse tipo de coisa tem investigação policial, não é porque uma Barbie falsificada espalha para o colégio inteiro que se torna verdade universal.
- Acho que seu único neurônio finalmente funcionou. - Disse ele com uma risada maliciosa, observando as sobrancelhas dela ficarem ameaçadoras na face irritada.
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- Bom, quero que você volte aqui amanhã para acompanharmos você mais de perto.
- Mas o Dr. disse que eu estava bem! - Protestou Milla, ainda enjoada.
- Temos que ver esse problema da sua falha de memória, é algo bem comum quando se bate a cabeça, mas também pode indicar um quadro mais grave. - Ela abriu a boca para reclamar. - Não discuta, são procedimentos de praxe. Regras são regras. - Disse o enfermeiro magricela, que certamente estava tendo um mau dia.
Camilla afastou-se dele e da prancheta e aproximou-se da janela do quarto em que estava. Já tinha vestido suas roupas e arrumado suas coisas. Perguntou por Alex e lhe disseram que ele teve de ir para o colégio. Já era quase hora do almoço, se estivesse certa, ele iria vê-la assim que saísse de lá. Observou os carros que passavam na rua, procurou a moto vermelha. Não estava lá. Esperou por mais algum tempo antes de perceber que estava passando muito mal, ficou tonta. Estremeceu. Fez menção de desmaiar, a dor de cabeça era muito forte. Provavelmente, era por causa da batida. O enfermeiro segurou o braço dela e guiou-a até a cama do quarto.
- Vertigens. - Disse. - É, também, algo normal no seu caso. É melhor ficar paradinha, vou contactar seus pais. - E saiu, antes que ela pudesse proibí-lo de fazer tal coisa.
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Bianca ouviu ruídos, eram vozes vindas da sala de jantar. Já era tarde e todos achavam que estava dormindo. Abriu a porta vagarosamente e espiou o corredor. Ficou atenta a voz de uma mulher, desesperada, soluçando.
- O que vamos fazer agora, Nero? – A voz fina soava familiar.
- Acalme-se, Marta. Sabe como nossa família sempre manteve laços de amizade com a sua.
- Desde que o pai da Amanda se foi, você sabe que as coisas têm piorado para nós!
- Vamos dar um jeito. Sofie e eu vamos fazer o que for necessário para que você e Mandy fiquem bem. – Bianca ouviu a voz calma do pai.
- Mandy nunca vai aceitar isso! – A mulher soluçou ainda mais alto.
- Então ainda não contou para ela?
- Nero... – começou a mulher, com a voz forte – como espera que eu conte para a minha filha, que sempre teve tudo do bom e do melhor, que estamos falidas?
Bianca ouviu o suficiente para fechar a porta e conseguir dormir com os anjos.
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